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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Retratos Antigos

Elas ficavam num baú,
Numa caixa de sapatos,
Escondidas

Uma ou outra vez eram vistas
Pela casa,
E voltavam pra caixa

Porque eram poucas,
Apesar de nem sempre boas,
Precisavam ser bem guardadas

Chamavam-se retratos,
Porque geralmente
Eram quase que só de gente

Os cachorros, os pratos de comida,
E até a vida
Ainda não merereciam tanto foco

O retratista dizia "olha o passarinho!"
E a gente ria, muito sem graça,
Imaginando o bichinho

Por que alguém imaginava
Que imaginar um passarinho
Podia ser engraçado?

Não sei.
Mas que funcionava,
Funcionava!

E se acontecesse que alguém saísse mal
Ou não risse,
Não se tirava outra foto

Era normal ser meio feio ou meio triste.

sábado, 19 de setembro de 2015

A Pedra

Pensando estar seguindo o curso da vida, Encontro certos empecilhos,
Como é certo que um rio
Há de encontrar pedras no seu caminho

Nem sempre o homem é um rio
Tal como espera a sociedade
Moderna

O homem pode não ser líquido

E eu, demasiadamente humano,
Duro, incrustado na terra,
Sinto a água limpa da vida
Contornando a minha pele

Estou parado,
Estou pesado e vazio,
Não estou inteiramente vivo

Eu sou, eu mesmo,
A pedra

Mas como é difícil
Desviar-me de mim

E como é possível
Que a vida o faça
Tão naturalmente assim?

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Fascínio

No caos da hipnótica avenida
Ambulantes, xingamentos e buzinas

O que me prende à cidade é o seu imbróglio

Ao mesmo tempo em que estressa e ensurdece os meus
Ouvidos,
Ela fascina e descansa os meus
Olhos

A cidade é uma mulher perigosa!

Tallu

Se devemos ser do tamanho de nossos sonhos,
Quando nossos sonhos se tornam maiores do que somos,
Não há mais nada a fazer...
Só nos resta crescer!

Tallu

A cura

Caminhei,
Louco,
Até a montanha,
Sentei-me,
Louco,
No seu topo,
Admirei,
Louco,
O ser humano,  
E atirei-me,
Louco,
Neste infindável
Abismo
Que os homens,
Lúcidos,
Loucamente chamam
De sanidade.




sábado, 29 de agosto de 2015

Parque das Mangabeiras...
Passa por mim um garoto, que enrolando um baseado, comenta com o colega que seguia a seu lado, de mãos dadas com a namorada:
_ Eu vi uma estatística que a cada um baseado que você enrola uma pessoa morre.
E seu colega, mostrando, que talvez por estar alienadamente apaixonado, deve estar vivendo em outra dimensão:
_ Sério? Por quê?
_ Tráfico, né, fi? É Polícia matando, bandido matando...
E se foram sem que eu pudesse saber se isqueiros têm realmente a capacidade de deflagrar tiroteios... 
... E sem saber se o amigo apaixonado estaria realmente interessado no assunto, ou apenas tinha o hábito socialmente saudável de fazer perguntas retóricas...
Eu não fumo nem atiro, logo também não tenho nada a ver com a guerra do tráfico e a alienação humana?
Talvez não!

domingo, 16 de agosto de 2015

Outro dia fiz o despejo compulsório de uma familia quase miserável que vivia há dez anos num imóvel invadido que pertence a uma das famílias mais ricas das redondezas.  Ao longo do dia,  retiramos à força, literalmente, pai, mãe e três filhas daquilo que eles acreditavam ser o seu lar. Seus móveis e objetos pessoais foram levados num caminhão. E  no fim do cumprimento da ordem, passamos um trator sobre o barracão, no melhor estilo de 'Saudosa Maloca".  Pronto. Mais um Mandado bem cumprido.  Durante todo o dia, a mulher e as filhas choravam, gritavam e me agrediam com palavrões e pragas inomináveis, enquanto o pai, miseravelmente conformado, tentava achar um lugar pra onde pudesse levar sua família. 
Num dado momento de desespero, a filha caçula gritou pra mim o que considerei a pior de todas as ofensas - "Você é um monstro! Não existe justiça nesse mundo!" Eu fiquei paralisada, olhando pra ela e  pensando o que eu poderia fazer para salvar aquela menina desse sentimento autodestrutivo de total descrença na Justiça? Mas eu era um monstro! E sendo isso, eu respondi - "Você está certa! Não existe Justiça. Infelizmente, o Poder Judiciário não existe para fazer Justiça. Eu sinto muito mesmo. " Ela parou de chorar, e penso que me odiou ainda mais, porque eu talvez tenha acabado de destruir qualquer esperança que ela ainda tivesse.
Mas eu também não tenho mais esperanças. Ganho a vida tirando pessoas miseráveis de lotes invadidos, tomando os carros de inadimplentes de má ou de boa fé, arrancando filhos de más e de boas mães, prendendo homens que não pagam pensão por sacanagem ou por incapacidade econômica, penhorando bens de picaretas e de trabalhadores honestos porém falidos...  Tudo isso porque o Poder Judiciário não foi criado para mudar o mundo, mas para fazer exatamente o contrário. Ele nao distingue o certo do errado moralmente, mas apenas tecnicamente. E a melhor técnica pertence aos melhores advogados, que por sua vez, pertencem aos melhores clientes.   Ele existe para manter a ordem. E a ordem a ser mantida é naturalmente injusta!
Quando eu entrei na Faculdade de Direito eu acreditava na Justiça. Mas bastou entrar para o Poder Judiciário para ter certeza de que a Justiça, nos processos judiciais, é o que menos importa! Talvez porque realmente não existem provas de que ela exista e persegui-la seria um comportamento muito quixotesco!  E descobri que eu ganharia a vida trabalhando pra que a ordem fosse mantida e não "para que a Justiça fosse feita! "
Eu sinto muito mesmo!

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Eva

Um homem é somente um homem.

Uma mulher, não! Não, senhor!
Uma mulher é, metaforicamente, 
Uma serpente!
Que Adão vá para o inferno!

Que os Estados Unidos vão também para o inferno!
Terra de crápulas!
(Que outra nação homenagearia a Liberdade com uma estátua?)
Deus nos salve da América!

Há criancinhas horríveis.
E delas há exemplos  lindíssimos!
Filhosinhos da pátria mãe gentil que as pariu,
A infanticida! 
Malditos sejam os seus filhos,
Os miseráveis!

E há crianças ainda
Cheias de dentes brancos como as grinaldas das virgens e os gringos do Rio!
Benditos sejam os filhos de nossa pátria amada,
Brasil!
Mas que se danem!

As mulheres,  as crianças,  os velhos-
Um trio elétrico baiano causaria menos dano aos tímpanos!
Sim, senhor!
Grande parte do barulho do mundo vem dessa santíssima trindade!
Que se calem!

Os anjos não têm sexo,
Não são feios nem belos.
Tudo que existe deseja,
Devora,
E se olha no espelho
E se convence de si mesmo
Conforme as qualidades e os defeitos!
Logo, os anjos não existem!
Malditos sejam!
Que Deus me perdoe!

Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,
Socorrei-nos!
Eu vejo vindo a nuvem negra!
E ouço gemidos!
Adeus, amigos,
Eu também já vou indo.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Os Loucos

Amo os loucos
Amo todos os loucos
Tenho verdadeira loucura pelos loucos
Amo-os loucamente
Como amo os tolos
Os bobos,  os dementes,
Amo-os simplesmente
Por amar a mim mesmo
Em todos eles
E em cada um deles
Reconhecer também o rosto
De meus ingênuos amigos
Tão sãos,
Tão sábios,
Tão coerentes!

Tallu

Poema Para o Menino Morto

Exatamente um milésimo de segundo
Antes do último segundo,
Alerta como jamais estivera,
O homem se despe de sua carne,
E de sua alma

Engana-se quem espera do homem,
Este ser que é só carne e sopro,
Desfazer-se de seu corpo
Sem com ele perder seu espírito

Seria todo homem um santo
Se assim fosse

Porém, por ser exatamente um homem,
E por ser o homem exatamente o que é,
Só é possível morrer completamente

Exceção aberta aos homens de fé.

A fé que eu não sei
Que eu não tenho
É que te dou,
Meu pequeno menininho morto,
A tiros,  agora há pouco,
Por uma bala perdida
De uma arma qualquer.

domingo, 21 de junho de 2015

Adeus, Belo Horizonte

Adeus, Belo Horizonte
Eu partirei hoje à tarde
De volta ao interior de seu interior
Porque este é o meu destino

Desejo que tenham mais sorte
Os meninos que ficam
Porque são bons
São homens de verdade

Porém eu sou fraco
Eu vim e não venci
E hoje estarei de volta
Levando comigo a derrota
Levando comigo o fracasso

Vendedores de CDS,  guarda chuvas, poetas, curandeiros,
Persistam apesar do iTunes,  da prefeitura, da Araújo!
Vendedores de amendoins e redes,
Persistam!
Apesar dos executivos,
Persistam!

Velhos amigos de infância!
Estou voltando.
Quem sabe ainda hoje,
Hoje mesmo,
Na madrugada,
Possamos beber e comer
E comemorar o meu fim

E na manhã, na manhã que virá sobre mim,
Eu vencerei
Porque sou o rei
O número um
O melhor do mundo
Outra vez,
Dançando e cantando
Bêbado
No paraíso do sossego

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Perdão

De todas as as atitudes cristãs, 
Perdoar é a mais difícil,
Porém imprescindível

Os que menos merecem
São os que mais necessitam

Amigos,
Perdoemos uns aos outros
Por termos perdoado tão pouco.

Dom Quixote

Infeliz o homem
Cujo coração já não difere
O justo do injusto,
E por isso queda
Perante os abusos

Se meus olhos foram vendados,
Ainda assim
Percorro o mundo,
Inseguro como um cego
Tateando no escuro
À procura do caminho

Embora a balança seja quebrada,
Ainda assim a justiça
Deve ser medida

Eu a ponho em minhas mãos
E a meço,
Assumindo o risco
De estar errado,
Mas não me omito

E se quebram minha espada,
Eu não me lamento,
Recolho os cacos e resisto,
Jamais eu me entrego
Jamais eu me rendo

E ainda que meus olhos sejam arrancados,
Eu não me darei por vencido,
E aprenderei a lutar
Erguendo a bengala.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Pelo pouco amor

O que não me contas
Eu não quero saber

O que não me mostras
Eu não quero ver

O que não me dás
Eu não quero ter

E pelas migalhas
Muito obrigada!

Sei que tu me destes
Tudo de bom que tinhas

Eu agradeço e te louvo
Apesar de tão pouco

Especialmente,  querida,
Por esta lição de vida

És prudente em não dar a mim
O que não possuis sequer para ti

sexta-feira, 1 de maio de 2015

A Fera

Quem realmente somos
É alguém que a nós nunca se apresenta
Francamente

Vai permeando as vistas
De uma viscosidade sangrenta

A cada passo que a muito custo damos,
Recua
E se disfarça

Mas volta e nos apunhala
Covardemente

Penetra nas sombras da noite
Como um demônio
E some

Quando voltará a arrancar a nossa carne
Até a alma
Ninguém sabe

Quem realmente somos
É este anjo que nos sangra a face
E esta fera que nos lambe
O sangue
Piedosamente

terça-feira, 21 de abril de 2015

Como é chato,
Depois de beijar o sapo,
Abrir os olhos
E ver que se beijou o sapo errado.

Que desencanto!

Mas há mulheres,
Lindas princesas,
Que cometem o que chamo
De suicídio romântico -

Abrem mão da realeza,
Sartam pra dentro d'água
E decidem virar sapas.

Valha-me Deus, nosso Senhor!

Mas que atire a primeira pedra
Quem nunca coachou
Por amor.





quinta-feira, 16 de abril de 2015

Ser amigo



Perdoar a impotência e o desespero
De um homem que se perde,
À procura de si mesmo

E deixar que a água fresca do amor
Controle o fogo de nosso espírito,
Sempre tão combativo

Abrir mão do combate
E render-se ao lado de quem, exausto,
Já se entregou. E resignar-se.

Não se tornar mais um desvio
Para um rio que segue para o mar,
Num caminho torto e cansativo

Suportar o cansaço, insigne,
E se nada mais puder ser feito,
Fazer-se de travesseiro

Estar sempre disponível,
E se for preciso, humildemente,
Fazer-se ausente

Sempre ao lado, nem sempre firme,
Ser amigo
É ser a margem que ladeia o rio.

sábado, 11 de abril de 2015

Quando eu tinha trinta e três anos, eu pensava que não choraria. Mas eu me tranquei no banheiro e me lembro que chorei como criança.
Família é uma espécie de boa semente que cresce frondosa, forte, dá boa sombra, flores, frutos e oxigênio. Mas como toda árvore, família é uma planta que facilmente se despedaça quando é atingida por um raio.
Quando eu tinha trinta e três anos, eu chorei sozinha, como medo de cair. E aprendi que a gente cresce, mas que os filhos são apenas galhos, presos ao tronco e às raízes de seus pais. E que quando o tronco se racha, os galhos perdem a seiva, ficam fracos e se nada for feito, caem. Mas família é uma árvore de raiz firme. E as raízes sugam do profundo da terra a força para manter vivos os seus galhos feridos. Família é árvore que quando o tronco racha, a raiz se fortalece e como família é uma árvore de raízes mágicas, a raiz se finca ainda mais na terra e sustenta seus galhos enviando-lhes a seiva pelo tronco, agora invisível.
Quando eu tinha trinta e três anos, eu era uma criança e minhas lágrimas pingaram como gotas de orvalho. Mas a raiz de minha família, sedenta, sugou minhas lágrimas e as lágrimas dos outros galhos assim que elas atingiram o solo. E sobreviveu.

Família é uma árvore rara, cujas raízes são forjadas no feminino.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Um momento de prosa..... O Tesouro Perdido (Ou as aventuras de uma mãe pirata)


Ela chegou eufórica!
Por causa que na rua encontrou uma coisa...
E a coisa virou causa. Agora era questão de honra encontrar mais bolinhas de gude. Uma força pulsante a obrigava a seguir seu coração!
Há sempre um momento em que uma mãe cometerá o erro de comprar o que deveria ser conquistado. Pois bem, a hora chegou para mim. Pensei "quer saber, vou comprar todas as bolinhas que ela quiser".
Segurei sua mão e fomos pra rua. Ela seguindo as instruções do mapa do tesouro. Eu seguindo para a loja mais próxima. E adivinhem? Eu cheguei primeiro.
Entreguei a ela uma nota de cinco, e ao receber o troco, ela ficou surpresa com a quantidade de bolinhas que podem ser compradas com apenas dois reais. Foram inacreditáveis cinquenta bolinhas. Ela sabe que dois reais é muito pouco dinheiro. E também sabe que aquelas pequenas pedras de vidro valem tanto quanto moedas de ouro. Era fantástico!
Eu pensei em dar uma explicação, pensei em algumas desculpas, qualquer justificativa que fizesse com que ela me perdoasse por eu ter transformado a sua aventura em um objeto de consumo. Mas era tarde demais! Ela já sabia que o dinheiro pode comprar coisas que nos deixam felizes. E que o dinheiro é algo tão incrível, que mesmo sendo muito pouco, pode comprar valiosos tesouros.
Mas para minha remissão, assim que saímos da loja, ela apertou sua mãozinha na minha mão e me disse quase comovida:
_ Mamãe... Aqui... Muito obrigada pelas bolinhas de gude.
Eu respondi apenas “de nada, linda!” E me senti aliviada. Ela nunca havia me agradecido assim. As crianças aprendem facilmente a dizer obrigada, mas é natural do ser humano levar bastante tempo para aprender a ser grato.
Eu notei que ela estava feliz porque eu ouvi o que ela estava me dizendo. Ela estava feliz porque eu estava ao lado dela, acreditando no sonho dela e não pelas bolinhas de gude!
É muito provável que eu continue falhando e não consiga fazer com que ela seja a pessoa mais feliz do mundo. Mas por causa deste dia, um dia ela vai saber que eu errei muito, mas eu fiz o que pude.
Ela saiu um pouco mais realista, calculando quantos centavos teria custado cada bolinha. E eu saí fantasiosamente convicta de que eu era a capitã do navio e de que o tesouro perdido havia sido encontrado.
É fácil ser uma boa mãe. Basta fazer o possível e se perdoar por isso.


T.F

quarta-feira, 1 de abril de 2015

As Borboletas de Aricanduva


Morávamos em casas.
Nas casas havia jardins.
Uns enormes,
Outros simbólicos-
Uns crisântemos,
Um comigo- ninguém-pode,
Uma arruda,
Uma espada de São Jorge.
Não enfeitavam tanto,
Não espantavam a feiura,
Mas livravam seus donos de males piores.

As crianças não tinham virose.
Sofriam de vento virado,
Mau olhado,
E quebranto.

E dos mais pobres aos menos ricos,
Quase todos tiveram xistose.

As cercas não eram elétricas.
Eram de estacas.
As mais seguras, de arame farpado.
E mesmo estas tinham graus diferentes de segurança.
A maioria eram frouxas.
Os moleques apertavam a de baixo, levantavam a de cima,
Desespetavam a camisa,
E saltavam para roubar laranja.

Os menores infratores eram os moleques.
Quando os moleques crescessem,
Virariam, no máximo,
Alcoólatra ou trabalhador braçal.
Não existia o tráfico,
Não existia o ECA,
E não se discutia a maioridade penal.

Nas casas, os bens mais visados estavam lá fora.
Desapareciam roupas, calçados, ferramentas...
Verduras da horta.
Mas o alvo principal eram as mangas, mexericas, pêssegos,
E, especialmente no Natal,
Os bípedes do galinheiro.
As pessoas, invariavelmente,
Tinham nome de gente.
Ninguém era conhecido como "o do 103",
Ou "o da grade verde"...
Todos tinham um nome de registro, 
Ou um apelido,
E eram chamados por ele.

Onde havia garagem nem sempre havia um carro.
E acontecia de haver um carro sem garagem.
As casas eram pensadas para pessoas-
Sala, copa, cozinha, banheiro, dois ou três quartos, quintal.
Garagem para dois carros era algo impensável.

Algumas casas eram maiores,
Outras mais bonitas,
Mas a maioria se parecia.
Não havia projetos.
Não havia nem arquitetos.
E os engenheiros eram todos pedreiros.

Havia desigualdade,
Havia inveja.
Havia proletariado.
Havia falsidade.
Brigas.
Assassinatos!
Campanhas políticas.

Mas havia borboletas.
E são delas que eu mais me lembro.
As borboletas são a marca de um tempo
Em que os insetos,
As amizades,
E os homens,
Podiam cumprir,
Pacientemente,
As suas curtas expectativas de vida.

Um tempo em que havia
Casas,
Crisálidas,
E crisântemos.

E o efêmero não era um inseto incômodo.


segunda-feira, 30 de março de 2015

Melancolia

A melancolia é uma tristeza fininha...
Que chove a manhã inteira...

E quando chega a tardinha
O céu fica limpo.
Parece que vai ter lua!

Mas volta num vento uma nuvem toda tristinha...

Daí a mãe grita lá do terreiro,
E a gente sai correndo,
Apaiando as roupas,
Xingando a chuva,
É um desespero!

Depois de juntar tudo
A gente vai pro chuveiro
E a mãe fica na porta,
Secando a nuca,
Tomando um ar fresco...

"É.... Pelo jeito essa chuva não para é nunca!"

Toda vez ela resmunga
"Chuva... Chuva... Chuva..."

Tadinha!
Primeiro pragueja
Depois agradece...

Eu acho que a melancolia deixa a mãe confusa!

T.F







terça-feira, 24 de março de 2015

Desaforo

Tudo que é dito
Depois de bem pensado
É válido.

Mas eu gosto mais
É desses desaforos
Que mal saíram da boca
E já exigem uma retratação.              

Daí não tem jeito.
A gente vai lá...
Que isso...
Somos amigos...
Deixa pra lá...

Mas por dentro, o que a gente sente mesmo
É orgulho do mal feito!

Sabe aquele jogador que roubou a bola,
Dibrou o goleiro,
Ajeitou o corpo,
E chutou pra fora?

Pois é.
Tá certo que não fez o gol,
Mas que foi bonito foi!
Não foi?!



domingo, 8 de março de 2015

Privilégios



Um dia só para mim
Uma lei só para mim
Um espaço político só para mim
Um banheiro só para mim
Uma Delegacia só para mim
Um best seller só para mim
Uma revista só para mim
Uma profissão só para mim
Um vagão só para mim
Uma academia só para mim
Uma penitenciária só para mim

Todos os meus privilégios
São apenas pretextos modernos
Para a mais antiga das segregações.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Tragédia do Eu



Eles daqui de longe
Não se parecem comigo.

Coro:     Mas de perto
              São tão parecidos conosco!

Mas quem são eles?

Coro:     Ora! São os outros!

Mas quem são os outros?

Coro:     Ora são eles, ora somos nós.

E quem sois vós?

Coro: Somos todos, ora!
          Ele deve ser louco! Vamos embora!

Esperem! Mas e eu?
Quem sou eu?

Coro: Já estamos muito distantes.
          Mas daqui de longe,
          Não te pareces contigo!

Mas onde encontrarei
Quem se pareça comigo?

Coro: Ora, não sejas tolo!
         
Mas eu preciso conhecer-me
E vós dissestes que eu não me pareço comigo!

Coro: Corram! Corram! Ele é mesmo louco!
            Quer conhecer a si mesmo
            Mirando a face dos outros.

Oh, maldição do Eu!
Fadado a viver eternamente só,
Sem sequer saber quem sou.

O Bairro dos Desajustados


Na Rua dos Odontólogos
Mora um senhor sem nem um dente

E na Rua dos Médicos,
Um outro muito doente

Na Rua dos Arquitetos
Mora um sem-teto

E na Rua dos Advogados
Um homem muito honesto

Tudo isso me intriga
No bairro onde eu moro

Deram a cada rua uma profissão
Sem nada saberem dos moradores

Será que para uma região de trabalhadores
Seu Augusto não era muito preguiçoso?

E não terá sido um grande erro
Entregar à Rua dos Jornalistas um tremendo fofoqueiro?

Por isso é que de vez em quando
Eu acho o meu bairro muito estranho

Mas se cada morador tivesse uma rua só pra si
Talvez fosse bem melhor assim

E poderíamos dar às nossas ruas
O nome que mais se parecesse conosco

Eu, por exemplo, sairia da Rua dos Psicólogos
E iria para a Rua dos Loucos

Aquele Seu Augusto, que acabou de perder mais um emprego,
Poderia finalmente morar na Rua do Sossego

E meu amigo Júlio, que odeia o Lula mais do que tudo,
Não precisaria morar na Rua dos Metalúrgicos

E todo mundo seria mais feliz na profissão
Se cada um se mudasse pra sua Rua de Vocação

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Presságio



Se eu acordasse de repente
Dentro de um túmulo
Sei que minha carne se debateria
Insana!
                                  
Porém minha alma não faria nada
E apenas me diria
Delicada!

“Dorme tranquila,
Descansa!”



tallu 

Saudades



Sinto saudades suas, poeta,
E da melancolia vintage
Que nos leva à poesia


Sinto saudades do nosso passado
Que não existe
E que só por isso é menos triste

E sinto saudades do presente
E do futuro
Que não passaremos juntos

Que me perdoe a sua amada
O meu engano
E essas horas! que já é bem tarde

Não se trata de amor,
Mas é tanta saudade,
Que às vezes chego a pensar que eu te amo



tallu

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015



Podemos
                      perdoar  
mil
                                      vezes 
                por amor
Mas quantas vezes
                         o Amor
                                        poderá nos

        perdoar por isso?






sábado, 14 de fevereiro de 2015

Por que Eu Não Voei de Asa Delta

Quando ela chega na velhice,
Bem lá no fim da caminhada,
Ficamos tristes
Mas vá lá!
Já era de se esperar.

Mas quando ela vem sorrateira
E atropela um homem no meio da estrada,
Dá uma vontade danada de perder as estribeiras.

Culpa do hábito de acreditar que, dia após dia,
O amanhã se repetirá sem se esquecer de nós.

E vamos caminhando distraídos,
Até que se perde de repente um amigo...

"Bendita seja a morte
Por ter sido gentil conosco!"
Pensamos covardemente.

Claro! Jamais confessaremos,
Que apesar de tamanha dor,
Pudemos ser tão pequenos.

Mas como se quer seguir viagem
É melhor não bancar o corajoso

          "Sim, senhora,
            Daqui em diante
            Seremos bem menos moços!"

E lá vamos nós agora, muito a contragosto,
Aceitando o que se apresenta como a única saída
               "Evitar a vida,
                A fim de escapar da morte"

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Conjecturas

Pessoas horizontais
São linhas cultivadas
Em estufas hidropônicas
Partículas de água muito finas
Ou simplesmente,  nuvens

Homilias dominicais

Textura de música
Racionalidades lúdicas
São da mesma matéria
Das Vitória-Régias

Catástrofes emocionais

São sóis da tarde
Sem nenhuma utilidade
Para as outras pessoas

Inviabilidades industriais

Uma espécie de produto em desuso

Resistências residuais

Por exigências mercadológicas
A tendência agora
São pessoas verticais

Papo de Doido

Ultimamente, eu tenho ouvido tantas pessoas dizendo coisas sem nenhum sentido...

Será, que de repente,
Toda essa gente
Resolveu conversar comigo?

Sei lá!
Mas, por via das dúvidas,
Eu passo e cumprimento
Uma por uma.

Elza

Meus amigos disseram que Elza morreu!
Que me importa se me trazem notícias ruins?...
Malditos sejam os amigos
Que me tratam assim!

Elza, querida, mas por que tão cedo?
Ficasse um pouco mais,
Tomasse outra taça,
Contasse mais uma,
E pode ser que a gente até fingisse te achar engraçada...
       (Sabe, Elza, se a gente  soubesse que seria logo esta a tua última piada...)

Mas ir sem dizer nada
Que graça isso tem?
Diz, Elza, meu amor, meu bem,
Por que partir agora?

Será que demora
Eu partir também?

Mas não me responda,
Vai! Vai embora!
Os anjos te esperam
Na porta do céu!
Vai, minha amiga,
De que serve um adeus?

A morte não passa de um encanto.
Eu pensarei que estás apenas dormindo,
Exatamente como nos contos de fada.

Eu te prometo, Elzinha,
Que tu não verás nenhuma lágrima.

Ah,  meu Deus, meu Deus!
Lá vêm trazendo seu corpo sem vida!
E apesar de tão fria, a pele tão pálida,
Vejam, camaradas,
Como está bonita
A minha Elza querida!

(T.F.)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Confissões de Rosa Dona da Rua

Na primeira vez
Ela quis matá-lo

Na segunda vez
Ela mataria qualquer um

Na terceira vez
Um suicídio seria aceitável

Na quarta
Ela foi se acostumando

Na quinta
Ela já não se importava

Na sexta
Ela abriu uma cerveja

No sábado
Ela pediu um cigarro

No domingo
Ela acordou bêbada

E deste dia em diante
Ela nunca mais voltou à igreja

De tanto perdoá-lo 

por amor

Descobri que já não podia

Amá-lo

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Ou Seja....

Se os homens aprendessem a respeitar as mulheres,  estas não precisariam aprender a "dar-se o respeito".
Se os homens compreendessem que qualquer diferença salarial deve se basear apenas em competências explícitas, as mulheres não teriam que provar o tempo todo que a competência não se esconde nas partes íntimas.
Se os homens não pudessem andar livremente mostrando os peitos sem serem estuprados,  uma mulher com os seios descobertos não precisaria ser retirada das ruas "para a sua segurança".
Se os homens se preocupassem com não cometer uma gravidez,  as mulheres não precisariam cometer um aborto.
Se os homens não tivessem certeza de que duas lésbicas estão "precisando é de um pênis", não restariam dúvidas de que o pênis pode ser totalmente dispensável.
Se os homens não dissessem a seus filhos "você está parecendo uma mulherzinha", suas filhas não ouviriam que ser mulher é quase uma vergonha.
Enfim, se os homens não aceitassem o machismo como algo tão natural, o feminismo não pareceria algo tão extraordinário.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Quantos passos
                         errados 
ainda daremos
        na tentativa desesperada
            de provar
                      que estamos
no caminho 
                     certo?

Estranha História

Para tentar ser feliz
Foi capaz de tudo
Até de ser infeliz

À procura do amor
Esqueceu-se de tudo
Até do que era o amor

Para ter o que queria
Aceitou tudo
Até o que não queria

Mas ao ter tudo o que quis
Ao encontrar o amor
E ser finalmente feliz

Pensou não ser tão ruim
Se não tivesse tanto
Não amasse tanto
E não fosse tão feliz assim





domingo, 11 de janeiro de 2015

Suposições de um Taciturno

Delicadamente ela chega
E nos lares mais improváveis
Aconchega-se.

Senta-se à mesa
E ceia
Do melhor pão e do mais fino vinho.

Sorri amavelmente,
Mostrando-se formidável companhia.

E quanto mais alta a sociedade
Mais ela se sente à vontade,
A nossa amiga Hipocrisia.

Até que numa superlativa manhã,
Sentindo-se já muito querida...
Faz como fez José Dias-
          Deixa de ser visita
          Para tornar-se a anfitriã

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Consagração

E então um dia voltamos a gostar do próprio nome
E o escrevemos como na época da alfabetização
Aquele orgulho de saber
Quem somos pela primeira vez
A cada vez que o vemos no papel

Um sinal de paz,
Uma espécie de reconciliação
Com a nossa mãe e nosso pai

Nessa hora olhamos para o céu
E dizemos amém para tudo o que Deus quis até aqui

Mas, sei lá por que razão,
Muito humildemente,
Fazemos um único pedido:

"Daqui pra frente
O Senhor deixa comigo"

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Feliz Ano Novo

O problema do Ano Novo é que ele sempre vem com defeitos terríveis e não tem Assistência Técnica conhecida. Se alguma coisa não funcionar em doze meses o único jeito é comprar outro.
E nada garante que o novo Ano Novo não virá com os mesmos defeitos do antigo.

Outro problema é que estamos falando de uma coisa que não serve nem para doações natalinas. Sapatos,  roupas, amores, tudo isso pode ser reaproveitado. Mas ninguém é tão pobre a ponto de precisar do "Ano Velho" de alguém.
E o Ano Novo não admite usos fragmentos - se quiser o bom tem que levar o ruim.
Ouvi dizer de um pessoal que tentou reciclar velhos Anos Novos, mas não deu lucro. Uma pena!
Também já ouvi que alguns artistas fazem lindos trabalhos com seus Anos Novos antigos. Mas não é todo mundo que tem criatividade nem paciência para ficar reinventando o Ano Novo.  E ainda não surgiu artista que reinvente o Ano Novo dos outros... Infelizmente!
E assim vamos enchendo a casa de Anos Novos que já não usamos mais.
Por tudo isso é surpreendente que o Ano Novo ainda não tenha caído em desuso.
Inclusive, há uma série de estudos que comprovam os malefícios do impacto ambiental causado por todo esse acúmulo pessoal de Anos Novos. Um dos efeitos já comprovados é o aquecimento global. De fato, pode-se notar que os Anos Novos têm vindo cada vez mais quentes!
Apesar de tudo isso, por mais inevitável e necessário que seja, ainda não se descobriu um produto mais eficaz e menos poluente que possa finalmente substituir o Ano Novo. Talvez estejanos todos esperando que já exista alguém pensando nisso...
Então,  já que não iremos abandonar tão cedo este hábito do Réveillon, sempre que for adquirir um novo pacote de Ano Novo, tente pelo menos verificar se não está incluindo na lista os mesmos desejos do antigo!
E se por acaso houver algum item imprescindível que não foi cumprido nos últimos anos, a dica científica é, ironicamente,   fazer o pedido mágico "consciência". Com consciência dizem que é possível distinguir entre os desejos que são tão importantes a ponto de os realizarmos a qualquer custo e os que são tão custosos a ponto de deixarem de ser tão importantes assim. E o bom é que a Consciência já vem num kit que contém ainda coragem e paz! Bom demais, né!
Então, um abraço e feliz Ano Novo de novo....rsrs

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Amarguras da Idade

Atiro contra Ti esta praga,
Oh, poderoso Senhor do Tempo,

Que passes para sempre acordado
Todas as infinitas madrugadas

Já que não tens nenhum respeito
Por este homem já idoso

Enquanto que aos mais moços permites
Horas e horas de repouso

Proposta Generosa

Quando olho
No relógio
E vejo que já são
Três horas

Eu Vos pergunto

"Deus, já que eu Vos levo
A poesia,
Em troca,
Por que não me trazeis
A aurora?"

Seguirei Nessa Toada

E manterei entre meus piores
defeitos
Essa mania de ser eu
mesmo
E guardarei entre meus melhores
amigos
Somente estes que se parecem
comigo
E nos magoaremos,
certamente,
Por excesso de
sinceridade,
Nunca por
falsidade
E quando notarmos que temos
brigado
Por sermos honestos,
Francos,
Diretos,
Nós nos diremos, reciprocamente,
"Muito obrigado".
T.F

O Adeus da Chiquinha

Ah, Chavito,
Nasceste já velho
Morreste tão menino

Mas eu prometo guardar segredo

E direi a todos da Vila
Que tu andaste morrendo
Mas foi sem querer querendo

E se por acaso houver outra vida
E tiveres que renascer tão bobo,
Prometes ser o Chaves de novo?

T.F

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A Taça

Convidei um velho conhecido
A beber uma taça comigo

E ele, ao dizer-me não,
Deixou-me a vaga impressão

De que temos escolhido
Muito bem os vinhos
E muito mal os amigos

Tallu

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

De Me Saber Não Sei

Eu não sei quem sou
E se soubesse
Não saberia ser este ser
Que me saberia
Tão eu

Antes seria estranhamente
Alguém que não sou
Que nem sei se seria já
Ou se ainda viria a ser
Este ser que seria
Tão eu

E de viver assim sem saber
Que ser é este que sou
Que era ou que fui
Eu sinto que não sou
Tão eu

E sinto que sou um não-ser
E que seguirei não sendo
Até que um ser que não sei
Surgirá para mim
Sem se saber para sempre nunca mais
Tão eu

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Menino Mimado

Manda lá buscar no armazém
A saudade de alguém
De qualquer um
Um falso amigo
Um falso amor
Num papel de almaço

Manda lá comprar
Um quilo de saudade
Entre as moscas
E as mortadelas
E outras mazelas
Dependuradas

Manda lá buscar, minha mãe,
Um maço de cigarros
E um isqueiro novo
E manda que se deixe o troco
Ao balconista

Manda, manda, mãezinha,
Tanto faz um menino uma menina,
Um amigo, um amor, uma saudade qualquer
de qualquer um que se venda
Num armazém de esquina

Indagações Madrugueiras

Passa um carro lá fora
A essas horas
Quem levará?
Sei lá
Tampouco pra onde
Terá ido longe?
Ou chegado ali em frente?
A noite é cheia dessa gente
Que anda por aí
A Deus dará
E eu aqui
Sem partir nem ficar
T.F

sábado, 1 de novembro de 2014

Liberdade, Uma Contradição

Moro num país
Contraditório
Onde o povo vai às urnas
Livremente
Exercer um voto obrigatório

Moro num país
Contraditório
Onde o povo vai às ruas
Livremente
Pedir a volta da Ditadura

Moro num país
Contraditório
Onde o povo unido
Livremente
Ordena que seus irmãos sejam banidos

Moro num país
Contraditório
Onde o povo exige
Livremente
Que os homens deixem de ser livres

Moro num país
Contraditório
De onde a Sanidade
Insanamente
Pouco a pouco vai-se embora.

T.F