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terça-feira, 21 de abril de 2015

Como é chato,
Depois de beijar o sapo,
Abrir os olhos
E ver que se beijou o sapo errado.

Que desencanto!

Mas há mulheres,
Lindas princesas,
Que cometem o que chamo
De suicídio romântico -

Abrem mão da realeza,
Sartam pra dentro d'água
E decidem virar sapas.

Valha-me Deus, nosso Senhor!

Mas que atire a primeira pedra
Quem nunca coachou
Por amor.





quinta-feira, 16 de abril de 2015

Ser amigo



Perdoar a impotência e o desespero
De um homem que se perde,
À procura de si mesmo

E deixar que a água fresca do amor
Controle o fogo de nosso espírito,
Sempre tão combativo

Abrir mão do combate
E render-se ao lado de quem, exausto,
Já se entregou. E resignar-se.

Não se tornar mais um desvio
Para um rio que segue para o mar,
Num caminho torto e cansativo

Suportar o cansaço, insigne,
E se nada mais puder ser feito,
Fazer-se de travesseiro

Estar sempre disponível,
E se for preciso, humildemente,
Fazer-se ausente

Sempre ao lado, nem sempre firme,
Ser amigo
É ser a margem que ladeia o rio.

sábado, 11 de abril de 2015

Quando eu tinha trinta e três anos, eu pensava que não choraria. Mas eu me tranquei no banheiro e me lembro que chorei como criança.
Família é uma espécie de boa semente que cresce frondosa, forte, dá boa sombra, flores, frutos e oxigênio. Mas como toda árvore, família é uma planta que facilmente se despedaça quando é atingida por um raio.
Quando eu tinha trinta e três anos, eu chorei sozinha, como medo de cair. E aprendi que a gente cresce, mas que os filhos são apenas galhos, presos ao tronco e às raízes de seus pais. E que quando o tronco se racha, os galhos perdem a seiva, ficam fracos e se nada for feito, caem. Mas família é uma árvore de raiz firme. E as raízes sugam do profundo da terra a força para manter vivos os seus galhos feridos. Família é árvore que quando o tronco racha, a raiz se fortalece e como família é uma árvore de raízes mágicas, a raiz se finca ainda mais na terra e sustenta seus galhos enviando-lhes a seiva pelo tronco, agora invisível.
Quando eu tinha trinta e três anos, eu era uma criança e minhas lágrimas pingaram como gotas de orvalho. Mas a raiz de minha família, sedenta, sugou minhas lágrimas e as lágrimas dos outros galhos assim que elas atingiram o solo. E sobreviveu.

Família é uma árvore rara, cujas raízes são forjadas no feminino.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Um momento de prosa..... O Tesouro Perdido (Ou as aventuras de uma mãe pirata)


Ela chegou eufórica!
Por causa que na rua encontrou uma coisa...
E a coisa virou causa. Agora era questão de honra encontrar mais bolinhas de gude. Uma força pulsante a obrigava a seguir seu coração!
Há sempre um momento em que uma mãe cometerá o erro de comprar o que deveria ser conquistado. Pois bem, a hora chegou para mim. Pensei "quer saber, vou comprar todas as bolinhas que ela quiser".
Segurei sua mão e fomos pra rua. Ela seguindo as instruções do mapa do tesouro. Eu seguindo para a loja mais próxima. E adivinhem? Eu cheguei primeiro.
Entreguei a ela uma nota de cinco, e ao receber o troco, ela ficou surpresa com a quantidade de bolinhas que podem ser compradas com apenas dois reais. Foram inacreditáveis cinquenta bolinhas. Ela sabe que dois reais é muito pouco dinheiro. E também sabe que aquelas pequenas pedras de vidro valem tanto quanto moedas de ouro. Era fantástico!
Eu pensei em dar uma explicação, pensei em algumas desculpas, qualquer justificativa que fizesse com que ela me perdoasse por eu ter transformado a sua aventura em um objeto de consumo. Mas era tarde demais! Ela já sabia que o dinheiro pode comprar coisas que nos deixam felizes. E que o dinheiro é algo tão incrível, que mesmo sendo muito pouco, pode comprar valiosos tesouros.
Mas para minha remissão, assim que saímos da loja, ela apertou sua mãozinha na minha mão e me disse quase comovida:
_ Mamãe... Aqui... Muito obrigada pelas bolinhas de gude.
Eu respondi apenas “de nada, linda!” E me senti aliviada. Ela nunca havia me agradecido assim. As crianças aprendem facilmente a dizer obrigada, mas é natural do ser humano levar bastante tempo para aprender a ser grato.
Eu notei que ela estava feliz porque eu ouvi o que ela estava me dizendo. Ela estava feliz porque eu estava ao lado dela, acreditando no sonho dela e não pelas bolinhas de gude!
É muito provável que eu continue falhando e não consiga fazer com que ela seja a pessoa mais feliz do mundo. Mas por causa deste dia, um dia ela vai saber que eu errei muito, mas eu fiz o que pude.
Ela saiu um pouco mais realista, calculando quantos centavos teria custado cada bolinha. E eu saí fantasiosamente convicta de que eu era a capitã do navio e de que o tesouro perdido havia sido encontrado.
É fácil ser uma boa mãe. Basta fazer o possível e se perdoar por isso.


T.F

quarta-feira, 1 de abril de 2015

As Borboletas de Aricanduva


Morávamos em casas.
Nas casas havia jardins.
Uns enormes,
Outros simbólicos-
Uns crisântemos,
Um comigo- ninguém-pode,
Uma arruda,
Uma espada de São Jorge.
Não enfeitavam tanto,
Não espantavam a feiura,
Mas livravam seus donos de males piores.

As crianças não tinham virose.
Sofriam de vento virado,
Mau olhado,
E quebranto.

E dos mais pobres aos menos ricos,
Quase todos tiveram xistose.

As cercas não eram elétricas.
Eram de estacas.
As mais seguras, de arame farpado.
E mesmo estas tinham graus diferentes de segurança.
A maioria eram frouxas.
Os moleques apertavam a de baixo, levantavam a de cima,
Desespetavam a camisa,
E saltavam para roubar laranja.

Os menores infratores eram os moleques.
Quando os moleques crescessem,
Virariam, no máximo,
Alcoólatra ou trabalhador braçal.
Não existia o tráfico,
Não existia o ECA,
E não se discutia a maioridade penal.

Nas casas, os bens mais visados estavam lá fora.
Desapareciam roupas, calçados, ferramentas...
Verduras da horta.
Mas o alvo principal eram as mangas, mexericas, pêssegos,
E, especialmente no Natal,
Os bípedes do galinheiro.
As pessoas, invariavelmente,
Tinham nome de gente.
Ninguém era conhecido como "o do 103",
Ou "o da grade verde"...
Todos tinham um nome de registro, 
Ou um apelido,
E eram chamados por ele.

Onde havia garagem nem sempre havia um carro.
E acontecia de haver um carro sem garagem.
As casas eram pensadas para pessoas-
Sala, copa, cozinha, banheiro, dois ou três quartos, quintal.
Garagem para dois carros era algo impensável.

Algumas casas eram maiores,
Outras mais bonitas,
Mas a maioria se parecia.
Não havia projetos.
Não havia nem arquitetos.
E os engenheiros eram todos pedreiros.

Havia desigualdade,
Havia inveja.
Havia proletariado.
Havia falsidade.
Brigas.
Assassinatos!
Campanhas políticas.

Mas havia borboletas.
E são delas que eu mais me lembro.
As borboletas são a marca de um tempo
Em que os insetos,
As amizades,
E os homens,
Podiam cumprir,
Pacientemente,
As suas curtas expectativas de vida.

Um tempo em que havia
Casas,
Crisálidas,
E crisântemos.

E o efêmero não era um inseto incômodo.