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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A terceira margem do rio



Dos tempos normais
Não me alembro mais
Eu era um homem – isso era tudo

Veio o estúrdio
E eu me desaparecia
Depois surgia
Aproado sem trouxa
Em cima da canoa
Sem remo nem rio

Depois disassurgia
Diluído lá dentro de mim
Entestando o mundo
Que me ensimesmava

E o menino ralhava
“Volta, homem”
Mas eu num voltava

Só sabia partir
Sumir sumir sumir
Até que me desassumi de mim

Tallu Fernandes


Minério de Ferro


A pedra era o quê, afinal?
O que era aquilo que tropeçava na gente?
Era o Rio, era Minas, era a raiva
Da juventude boiando na beira de um livro?
Era isso? Ou não era nada?
Era só palavra trepando em palavra
Sem querer nenhum sentido
Mais íntimo ou menos ínfimo...
Era só isso?
Será possível?
Ou seria o impossível se intrometendo na gente.
Mas a troco de quê?
De uns versos mal escritos, uns trocadilhos,
Uns resquícios de felicidade, de euforia,
Talvez até um resto de amargura?
Mas de quê? Da vida, da burguesia, do Estado,
Da inteligência desgastada pelo não uso,
Do exercício ilegal da indecisão?
Ou seria só o chão desaparecendo de repente,
E a alma levitando imprecisa no meio da rua
À espera de qualquer espécie de consolo...
Ou seria isso tudo?
E seria cabível isso tudo numa só palavra?
Não seria melhor não dizer nada?
Não seria muito mais esquisito
Um poema não dito, não escrito, não lido,
Do que isso repetido, repetido, repetido,
Sem nenhum significado aparente?
E essas perguntas ruminando para sempre,
E esse resto de minério de ferro nas unhas,
E esse cheiro de tinteiro, e a aspereza, a crueldade
De fazer redigir mil vezes uma palavra
Que por mais que se diga, escute, escute,
Repita, repita, escreva, esbraveje, ralhe,
Nunca diz nada?
Para o diabo esse poeta
E suas paixões absortas!
Que o relevem as rochas vestidas de orgulho
E os pedregulhos deixados sem roupa!
Que um raio o parta a caminho do Rio!
Se era só um prólogo,
Por que não disse logo?
E se eu era a pedra...
Quem era a outra?


Tallu Fernandes