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domingo, 25 de agosto de 2013

Sebastião do Pedrado


  
Sentado no pedrado, o homem observava a rua. Vinha lá embaixo uma velha, carregada de sacolas, e de lá de cima, descia um policial. Os dois se cruzaram bem depois de sua casa, moveram verticalmente as cabeças, e seguiu cada um o seu rumo. Ela, cada vez mais devagar, sentindo o peso. E o soldado, aproveitando a descida, sumiu dobrando a rua, à direita. Quando passou, enfim, por sua porta, ele também a cumprimentou do mesmo modo, mas perguntou?
_ Como vai o Pedro hoje?
_  Seu irmão acabou de sair para o trabalho. Hoje ele desceu fardado. Você não viu quando ele passou? – Ela respondeu, prendendo o ar nos pulmões.
O homem ficou olhando lá para baixo e não disse nada. Virou-se e entrou.  A velha já não morava naquela casa há alguns anos, mas passava pela sua porta todos os dias, e de vez em quando entrava. Dessa vez, estava com pressa.
Na última vez em que se viram, ela subia a rua levando umas sacolas, ele estava sentado no pedrado e um policial foi morto na rua de baixo.  Ultimamente, ele tem sido visto na porta de sua casa, conversando por longas horas com uma árvore, a quem de repente abraça, e, sorrindo, bate continência. Em seguida, ele sobe a rua levando umas sacolas, cheias de pedra, e as deixa na porta de uma casa abandonada, na subida. Desce outra vez e senta no pedrado. Depois fica olhando a rua, da ponta ao pé do morro, esperando o momento de começar tudo de novo.



Tallu Fernandes 




Cartas

O problema das cartas atuais é a ausência do carteiro. Sem ele, as linhas não descansam o tempo suficiente para amadurecer as ideias. As palavras ficam frias, porque não podem experimentar o calorzinho do envelope, de mão em mão, aquecendo os sentimentos que iam lá dentro. Sei lá... Mas deve ser por isso que as cartas enviadas pelo correio certamente eram mais calorosas. 
Agora essas, on line, vão rápido demais, voltam rápido demais. O coração mal tem nem tempo de pensar na primeira e já é hora de responder à segunda. Se demora um ou dois dias, sabe que do lado de lá existe um ser morrendo de angústia.  Mas antigamente, se a resposta demorasse a chegar, isso era muito comum, e as almas podiam dormir tranquilas, os dias podiam passar sem traumas, porque a resposta devia estar em algum lugar, viajando uma viagem longa e preguiçosa. E só era preciso esperar, esperar, esperar... E se a resposta não chegasse nunca, provavelmente houve alguma falha dos correios e a carta foi extraviada. E com este argumento do extravio os correspondentes reconfortavam-se. Porque a dúvida era um ânimo para quem aguardava a resposta, e o pretexto, eternamente disponível, para quem se recusasse a responder... E assim os corações podiam sofrer um pouco mais consolados porque, na ausência de certezas, a dúvida resolvia tudo. E até podia acontecer de, passados alguns dias, as ideias se modificarem, e a resposta, tão aguardada, seria melhor mesmo se já não viesse... E a resposta não enviada, seria bastante urgente que se a enviasse imediatamente. Mas agora o que resta é justamente a mais completa ausência de dúvidas.  Se não respondeu foi porque não quis ou porque não se importa, não existe desculpa. A grande tragédia é que não existe nada mais indispensável na escrita das grandes paixões do que alguns pontinhos de interrogação.

Tallu Fernandes