Dormirei agora
Contra a minha vontade
Passaria feliz a madrugada
Escrevendo cartas ao povo
Escreveria até ao carteiro
Que distribuía os panfletos
"Olá, meu caro Senhor,
Já pensaste em ser ator?"
Tallu
Dormirei agora
Contra a minha vontade
Passaria feliz a madrugada
Escrevendo cartas ao povo
Escreveria até ao carteiro
Que distribuía os panfletos
"Olá, meu caro Senhor,
Já pensaste em ser ator?"
Tallu
O avião maluco
Despencou de Pernambuco
Coxinha
Ptralha
Ptralha
Coxinha
Coxinha
Ptralha
Ptralha
Coxinha
E o rapaz (Deus que me livre!)
Escapou do chic chic
Desintegrou-se no Infinito
Como um trem sem trilhos
Na última estação
E sumiu sem adjetivos
Nem predicativos
Ou substantivos
Pejorativos!
Deus que o proteja
Das póstumas pelejas
Da nação...
Ele bate
Ela rebate
Ele bate
Ela rebate
Os dois disputam
A carne
E os cães arregalam os olhos
Esperando a hora de roer os ossos
Tallu
Seja leve
Seja leve
Seja leve
Vão pro inferno!
Que se dane!
Joguem meu fardo
Sobre seus ombros
Caminhem meus passos
Com meus sapatos
Depois voltem
Com o lombo esfolado
E os pés estourando os calos
E sejam leves,
Ordinários!
Tallu
Quando eu era menina
A vovó fazia carne de panela,
Feijão preto, couve, arroz de pilão
E a gente ia na lavoura levar as marmitas
Eu sabia o caminho de volta
E sabia que não voltaria sozinha
Mas cuidava de fazer a trilha
Riscando a terra com uma varinha
Os homens nos viam de longe
E já iam encostando as enxadas
E procurando alguma sombra
E uma moitinha macia
E quando eu os via enchendo os garfos
Meus olhos se espantavam
Porque tinham fome de comida
Mas de alma estavam fartos
Eu tinha pouquíssima idade
E sonhava em algum dia
Poder lutar pela vida
Como lutavam os camaradas
Eram homens de fibra
Tinham as camisas manchadas de suor
E cada coração ansiava
Pelo dia de colher o que plantou
Depois dessas coisas que se passavam
Talvez despercebidas por todos
A vovó juntava as vasilhas
E a gente refazia a trilha
Veio o tempo e os camaradas sumiram
Entre as sementes e os sonhos
Que não brotam na mesma terra
Onde se plantam o suor e o milho
Acabei não me tornando nada
Do que eram aqueles homens
E não posso comer de cabeça erguida
O que me servem na minha marmita
Tenho tudo o que não tinham
Mas sinto que isso que me falta
Era justamente aquilo
Com que eles se fartavam
Também vovó me deixou sozinha
Perdida nessa estranha trilha
Que por um negro descuido
Eu não marquei com a varinha
Andei, andei e não aprendi a estrada.
Tallu
E então ela desenha uma princesa... Os lápis coloridos e papéis sobre a mesa E de vez em quando me pergunta Se está ficando bonito E respondo que está lindo
E vai inventando linhas Faz, refaz, repensa, organiza A profusão de idéias súbitas Mas sem deixar nenhuma dúvida De que se vai desenhando a si mesma.
Tallu
Abraçado aos pingos D'água
Ele chorou
Implorando o seu amor
Mas a Chuva, amante infiel,
Entranhou-se na terra
E voltou para o Céu.
Tallu