Introdução à existência
Olhando a vida, contemplo a morte - a sua mais irrecorrível
sentença. A morte é inevitável. E morreremos não apenas nós e nossos corpos, pesados
e velhos. Morrerão, no exato instante de nossa morte, também os nossos filhos,
nossos pais e nossos amigos. Toda a vida morrerá conosco. A vida que parece tão
plena, tão viva, dormirá no frio do nosso corpo. As árvores, as flores, os
rios, os canais de televisão, nossas páginas na internet e o incessante medo de
morrer. Tudo morrerá conosco. Depois de nós, não haverá mais nada. Ninguém pode
morrer sozinho. A morte é sempre coletiva. A morte leva sempre os nossos conosco.
Mas nem por isso é reconfortante. Morreremos todos juntos. Mas todos sozinhos.
Não tomaremos conhecimento de nossa simultânea sentença. Esperamos que nossos
amigos e parentes velem nossos corpos sem vida. E velarão. Mas não saberemos.
Estarão todos mortos. Todos apenas ilusão. A crueldade maior da morte é
pretender fazer que acreditemos que algo sobreviverá a nós. Que alguma coisa,
depois de nossa partida, continuará a ser. Poderá continuar usufruindo as
belezas da vida. Acreditar que nossos filhos superarão a perda e voltarão a
sorrir. Mas é ilusão. A morte é sempre para todos. É para quem morre. E para
quem sobrevive. Porque depois da morte, o que é que fica? Nada. O nada
absoluto. Partiremos e isso é tudo. Morreremos e isso é tudo. Por isso, não
devemos gastar nosso tempo nos preocupando com a morte. E igualmente não
gastemos nosso tempo nos preocupando com a vida. Porque tudo é ilusão. Então, o
que devemos fazer com o tempo que temos? Nada, porque o tempo não existe.
Primeiramente devemos nos desfazer da ideia de tempo. O tempo não existe fora
de nós. Nem dentro de nós. É mera convenção. É algo simplesmente inexistente. Deixemos
o tempo para os que acreditam que têm muito tempo para pensar sobre isso. E
para os que, pelo contrário, não têm tempo nem mesmo para pensar sobre o tempo.
Mas alguém que tenha ao menos uma vaga consciência do caráter efêmero da vida,
e da morte, deve simplesmente existir. Existir é diferente de viver. Porque
quem vive apenas pensa que vive, enquanto aguarda a morte. E mesmo quem morre
apenas pensa que morre. É algo surpreendente pensar que a morte é o final da
história. Como se um dia a história houvesse começado. Como se viver fosse o
meio da história. Mas quem existe nunca existiu e nunca deixará de existir.
Quem existe não existe. A existência é antes e depois da morte. Para o que
simplesmente existe, não há vida nem morte. Quem existe, não começa a existir quando
nasce. Não começa a existir nem mesmo antes de nascer. E não continuará a
existir depois da morte. A existência é impermanente. Não é agora. Não é antes.
Não é depois. Existiríamos desde quando então? E quando deixaríamos de existir?
É complicado, mas simples. Existimos desde nunca. E nunca deixaremos de
existir. Não estamos aqui de passagem. Porque não passaremos para lugar nenhum.
Porque não viemos de lugar nenhum. A vida veio com o nascimento. A vida partirá
com a morte. A existência não toma conhecimento nem do nascimento nem da morte.
Porque não permanece nem num lugar nem no outro. A existência é impermanente.
Quem simplesmente existe simplesmente existe. Mas não é fácil alcançar esta
compreensão. A maioria das pessoas estão profundamente enredadas nos ciclos de
nascimento e morte. Preocupadas demais em continuar vivas. Ocupadas demais em
aproveitar a vida e afastar-se da morte. A maior preocupação de quem vive é a
morte. A maior preocupação de quem morre é a vida. Quem existe não deve ter
ocupações, nem preocupações. Mas a existência não traz nenhum alívio. Porque a
existência não traz nenhuma angústia. E
principalmente, a existência não nos livrará da não existência. Viver é ser.
Morrer é deixar de ser. Existir é não existir.
Tallu Fernandes