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quinta-feira, 26 de julho de 2012

Canção do Eu



Passarei a vida sonhando com um          
                                              eu
Que não se desmanche
Que não deslanche
Que não passe disso
Que sou apenas
eu

Este                  eu         
distante de tudo que sonhei
Quando não era            eu
que sonhava por mim

Assim que eu descobrir que
eu
sou apenas                      eu
Seguirei seguindo este       eu
que não conheço
E por quem não tenho
Apreço ou desapreço

Sendo apenas
              eu
Este
                                 eu
que desconheço
Saberá quem fui
E virá de encontro a mim
A fim de destruir aquilo que
                                            eu
seria
E fazer de mim apenas o que sou
Possível, indizível, intranquilo

E seja como for
Serei apenas isso



quinta-feira, 19 de julho de 2012

De quantos somos feitos


Ela tinha tantos
Eus
Dentro de mim
Que para cometer
Suicídio
Formou um
Grupo de autoextermínio



quarta-feira, 18 de julho de 2012

Poema Tristinho


A melancolia é uma tristeza fininha
Que chove o dia inteiro

E quando chega à noitinha
Parece que vai ter lua

Mas a nuvem volta
Cheia de chuva

E a melancolia parece
Que não passa nunca





A árvore e o lenhador


Abraçado a uma árvore
Certo dia
Eu quis ter sua grandeza

A força da raiz, o cheiro
As flores, a semente
A beleza, as folhas

E a comunhão de almas
Que leva consigo
Da terra ao infinito

Mas a árvore, triste que estava,
Pediu que eu lhe cortasse
Galha por galha

Cortei-a, Deus sabe,
Como se cortasse
Minha própria veia.



terça-feira, 17 de julho de 2012

O homem que vê


Para Rilke
Era preciso toda uma vida
Para um verso acontecer

Mas toda a experiência,
Toda a existência,
Às vezes acontece
Num piscar de olhos

E só o poeta
Sofre desses olhos
Que de tão vagarosos
Puderam ver



Desígnios



Eu nasci aos vinte e nove
Contra minha vontade
Quando cheguei
Já era tarde
E partirei logo
Antes que os dobre
                Para o meu enterro
                Chegarei bem cedo
A Deus, se quiser,
Que me atrase!




Meu lugar


Eu morava numa cidade pequena
E estranha, onde havia quatro entradas
E apenas três saídas
Sendo que numa destas
Ficava o cemitério

Minha casa era a mais alta
Do lugar de casas baixas e pessoas
Tão poucas, que eu as contava
Pelos nomes e me sentia um Deus
Perante os seus despautérios

Tal como Ele, eu ria delas, no formigueiro
De cima pra baixo de baixo pra cima
O dia inteiro em busca de alimento
E outras coisas frívolas

Depois passou o tempo e vim-me embora
E nunca mais voltei ao meu altar
De onde eu me veria agora
Pelos olhos de outro Deus a me olhar
Que também eu me tornei uma formiga



Vigília


Fico na cama
Ele no chão
Há cobras
Sob o catre
Não posso descer
Ele não sobe
De repente
Lá fora
O portão
Eu me encolho
Sobre as cobras
E ele late
Vigiando a solidão




Lunáticos


Fincaram na lua
Uma bandeira
Depois puseram
Roletas
E não admira
Que da lua
Mirem os olhos
Dos poetas
As escopetas
Lunáticas

Que não me acertam
Eu sei, de tão longe
Mas na guerra
O que nos mata
Não são as armas
São os homens


segunda-feira, 16 de julho de 2012

O achado


Eu lhes deixo isso, meus filhos,
O nada

Guardei-o num lugar sagrado, não
Que o seja, mas para que assim
O vejam, porque irá salvá-los
Dos homens e dele mesmo,
Perigo maior que enfrentarão

Terão que procurá-lo, nas ruas
Da cidade, nos olhares, nos porões
De suas almas, nas noites em claro
E onde mais lhes parecer em vão.

Finalmente, quando o encontrarem,
Levem-no em suas carteiras,
Mais do que o dinheiro
E no peito,
Mais do que as paixões

Pois eu lhes garanto com isso,
Não que me serão gratos,
Por tamanha desilusão,
Mas ter-lhes deixado tudo
Que sua mãe trouxe a este mundo
E que ao outro leva, junto aos dois,
No coração.


Silêncio


A noite é cheia de gemidos
               
Alguns gemem de dor
Outros, sabe-se lá, Senhor,
Por que gemem tão aflitos

Talvez seja Sua mão
Descendo sobre suas cabeças

Mas a maioria geme sem motivo

São os loucos, os loucos
Gemendo em silêncio
Violentos grunhidos





O Menino Homem


Lá do alto dos Céus,
Deus dá um grito em Maria,
Corre, Maria,
Vem ver como esse menino cresce.

Com as crianças brincando,
Ele ri como um anjo,
Mas entre os homens em guerra,
Luta, como um lobo feroz.

E Deus se diverte no infinito
Vendo as peripécias do filho

Enquanto isso, Maria reza
Um Pai Nosso  por nós.

domingo, 15 de julho de 2012

O que vou ser?



Quando eu crescer
Eu quero não ser

E seguirem não sendo
Até quase morrer

E já quase morrendo
Eu serei finalmente

E perguntará um parente - quem era?
_ Não sabemos. Morreu de repente.






A Alvorada Idealista



Brasileiro detesta segunda-feira!

Acordar cedo, bem humorado, dar um tapa

no relógio e sair pro trabalho –

Povo preguiçoso! Bocejam

Na direita; e

Viram para a esquerda,

Onde não se diz nada,

Apenas se espreguiça.



sábado, 14 de julho de 2012

A Galinha



A galinha é um bicho que Deus fez
Bem ao seu jeito –
Cheia de defeitos
                Papo enorme
                Juízo mínimo
                Asas que não voam
                E o pior de todos:
O coração menor
Do que o ovo







A Galinha




A galinha é um bicho que Deus fez
Bem ao seu jeito –
Cheia de defeito
                Papo enorme
                Juízo mínimo
                Asas que não voam
                E o pior de todos:
O coração menor
Do que o ovo

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Os lugares que somos



Longe é lugar
Que mãe inventa
Pra não levar o menino
Ali mesmo,
Porque está cansada,
Sem vontade,
Ou sem dinheiro.
E depois o menino
Fica cansado,
Sem dinheiro,
Ou sem vontade
De ir ali mesmo,
Aonde podia ter ido,
Se o lugar não fosse tão longe.

Mas, que coisa!


Não há palavra que defina
Coisa que não exista,
Até que seja dita.
Pois assim que se diz
Qualquer coisa que se quis,
Ainda que não se diga
Coisa com coisa,
Uma coisa qualquer
Passa a ser tida
Como coisa existida.
E eis a coisa toda:
Criar com palavras
Todas as coisas!

A uma moça mal falada



Deitou-se ao meu lado na cama –
O sexo, o cheiro, a pele,
Tudo a meu dispor.
Mas eu me virei pro canto
E disse à dama-da-noite:
_ Dorme o teu sono, flor, que amanhã
Já terás murchado! Meu jovem anjo,
Por que fugiste do dicionário?

terça-feira, 10 de julho de 2012

Minhas queridas velhinhas

Eu moro numa rua antiga,
De antigas casas
E antigas velhinhas,
Que varrem suas calçadas
Todos os dias,
Antes que o sol esquente
E antes que passe o lixo.

E eu,
Que acabei de me mudar
E ainda não tenho idade
Para os hábitos da minha rua,
Deixo aos cuidados do vento
A limpeza da minha calçada.

Mas já vi que quando passo,
Enquanto elas varrem
A frente de suas casas,
Minhas queridas velhinhas
Mostram suas dentaduras.

Bem sabem elas que não sei
Que os caprichos do tempo
Trarão de volta à minha porta
As folhas que não juntei.

domingo, 8 de julho de 2012

Alheio


Do mundo eu não sei
Não posso dizer
Porque passei e não vi
Porque estive fora
Esse tempo todo
Em que meu corpo
Se passava por mim

Alheio


Do mundo eu não sei

Não posso dizer
Porque passei e não vi
Porque estive fora
Esse tempo todo
Em que meu corpo
Se passava por mim

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Gatunos

Quando um poema te visitar
Num sonho,
Eis o melhor a ser feito:
Acorda satisfeito!
       Desiste de anotá-lo.
Os poemas dos sonhos
São gatos no telhado.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ruindades



façamos o que pudermos
os grandes versos
deixemos aos outros
nós, que nascemos
sem anjo,
vamos de demônio
em demônio,
só pra infernizar

Preceito


Escrever um poema
É moleza
Coloque um teorema
E pronto
O resto
É leveza.