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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O espantalho


Eu nasci para ser triste
Inteiramente

Mas a vida me rasgou
Por dentro

E veio a alegria
E me encheu de remendos

E fez de mim
Um pobre espantalho

De braços abertos
Sorrindo sozinho

Tudo o que consigo
É espantar os passarinhos

Tallu Fernandes

Unidade de Pronto Atendimento

O lugar está lotado
E espero
Uma tarde inteira

Ao meu lado
Está um homem
Há muitas horas

De repente, exausto,
Ele sobe
Rua afora

E sinto o cheiro
De sua carne
Descendo a ladeira


Tallu Fernandes


O servo inútil


Para que serve
O que sirvo
Em minhas palavras?

Para nada
Sirvo pelo dever
De servir

Se uns provam
E cospem
E outros devoram

Não é pelo que serve
Mas pelo que não serve
O que digo

Tallu Fernandes

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Tardes ou folhas perdidas


O terapeuta quer saber
Do que fala
A poesia

Que desgraça
Ele que me ouve
Todos os dias

Profissão
Inútil
Estúpida

O poeta não sabe
Do que fala
A poesia


Tallu Fernandes

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Lorena antiga


Aricanduva
Palavra
Comprida

A cidade inteira eu guardo
Em trinta e cinco
Milímetros

Saltar o muro da igreja
E beijar escondido
Mãe distraída

Seus filhos e filhas
Namoram
O impossível

 Tallu



Cólica hepática


Oh, Deus,
O casco está rachado
Que imagem

A água jorra
De todos os lados
Há tempestade

Olho para o céu
E o vejo
Do fundo do mar

Um último suspiro
Que alívio!
Já não é preciso navegar

 Tallu

Perturbação noturna



Passaram por mim
Durante a noite
Tantos ventos

E derrubaram árvores
E me roubaram
O teto

E ao amanhecer
Sobre o chão
Lamacento

Encontrei do que era
Apenas
O espectro

Tallu

Estarei esperando


Eu levo
A vida
Aos prantos

E talvez
Por isso
Ela não me visite

Mas se acaso
Aceite
O meu convite

Estarei à tarde
Em casa
Esperando

Tallu

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Poucos amigos



Possuo poucos livros
E dos que possuo
Não leio muitos

Os livros têm essa coisa
De se parecerem
Com os amigos

Esperamos sempre
De um ou outro
Alguma palavra

Mas dos melhores
Não esperamos nada
Já fazem muito em existir

Tallu Fernandes

Tudo está queimando




Esta música
No rádio
Ao fim da tarde

E este arranjo
Falso
De pimentas vermelhas

E esta moça
Balançando
Por trás do balcão

Tudo
A minha volta
Está queimando

Neste café
Expresso
No bairro Anchieta

Tallu Fernandes