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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Amarguras da Idade

Atiro contra Ti esta praga,
Oh, poderoso Senhor do Tempo,

Que passes para sempre acordado
Todas as infinitas madrugadas

Já que não tens nenhum respeito
Por este homem já idoso

Enquanto que aos mais moços permites
Horas e horas de repouso

Proposta Generosa

Quando olho
No relógio
E vejo que já são
Três horas

Eu Vos pergunto

"Deus, já que eu Vos levo
A poesia,
Em troca,
Por que não me trazeis
A aurora?"

Seguirei Nessa Toada

E manterei entre meus piores
defeitos
Essa mania de ser eu
mesmo
E guardarei entre meus melhores
amigos
Somente estes que se parecem
comigo
E nos magoaremos,
certamente,
Por excesso de
sinceridade,
Nunca por
falsidade
E quando notarmos que temos
brigado
Por sermos honestos,
Francos,
Diretos,
Nós nos diremos, reciprocamente,
"Muito obrigado".
T.F

O Adeus da Chiquinha

Ah, Chavito,
Nasceste já velho
Morreste tão menino

Mas eu prometo guardar segredo

E direi a todos da Vila
Que tu andaste morrendo
Mas foi sem querer querendo

E se por acaso houver outra vida
E tiveres que renascer tão bobo,
Prometes ser o Chaves de novo?

T.F

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A Taça

Convidei um velho conhecido
A beber uma taça comigo

E ele, ao dizer-me não,
Deixou-me a vaga impressão

De que temos escolhido
Muito bem os vinhos
E muito mal os amigos

Tallu

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

De Me Saber Não Sei

Eu não sei quem sou
E se soubesse
Não saberia ser este ser
Que me saberia
Tão eu

Antes seria estranhamente
Alguém que não sou
Que nem sei se seria já
Ou se ainda viria a ser
Este ser que seria
Tão eu

E de viver assim sem saber
Que ser é este que sou
Que era ou que fui
Eu sinto que não sou
Tão eu

E sinto que sou um não-ser
E que seguirei não sendo
Até que um ser que não sei
Surgirá para mim
Sem se saber para sempre nunca mais
Tão eu

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Menino Mimado

Manda lá buscar no armazém
A saudade de alguém
De qualquer um
Um falso amigo
Um falso amor
Num papel de almaço

Manda lá comprar
Um quilo de saudade
Entre as moscas
E as mortadelas
E outras mazelas
Dependuradas

Manda lá buscar, minha mãe,
Um maço de cigarros
E um isqueiro novo
E manda que se deixe o troco
Ao balconista

Manda, manda, mãezinha,
Tanto faz um menino uma menina,
Um amigo, um amor, uma saudade qualquer
de qualquer um que se venda
Num armazém de esquina

Indagações Madrugueiras

Passa um carro lá fora
A essas horas
Quem levará?
Sei lá
Tampouco pra onde
Terá ido longe?
Ou chegado ali em frente?
A noite é cheia dessa gente
Que anda por aí
A Deus dará
E eu aqui
Sem partir nem ficar
T.F

sábado, 1 de novembro de 2014

Liberdade, Uma Contradição

Moro num país
Contraditório
Onde o povo vai às urnas
Livremente
Exercer um voto obrigatório

Moro num país
Contraditório
Onde o povo vai às ruas
Livremente
Pedir a volta da Ditadura

Moro num país
Contraditório
Onde o povo unido
Livremente
Ordena que seus irmãos sejam banidos

Moro num país
Contraditório
Onde o povo exige
Livremente
Que os homens deixem de ser livres

Moro num país
Contraditório
De onde a Sanidade
Insanamente
Pouco a pouco vai-se embora.

T.F

sábado, 25 de outubro de 2014

Remitência

Dormirei agora
Contra a minha vontade

Passaria feliz a madrugada
Escrevendo cartas ao povo

Escreveria até ao carteiro
Que distribuía os panfletos

"Olá, meu caro Senhor,
Já pensaste em ser ator?"

Tallu

Dia Treze Não Tinha Trem

O avião maluco
Despencou de Pernambuco

Coxinha
Ptralha
Ptralha
Coxinha
Coxinha
Ptralha
Ptralha
Coxinha

E o rapaz (Deus que me livre!)
Escapou do chic chic

Desintegrou-se no Infinito
Como um trem sem trilhos
Na última estação

E sumiu sem adjetivos
Nem predicativos
Ou substantivos
Pejorativos!

Deus que o proteja
Das póstumas pelejas
Da nação...

Televisão de Cachorro

Ele bate
Ela rebate
Ele bate
Ela rebate

Os dois disputam
A carne

E os cães arregalam os olhos
Esperando a hora de roer os ossos

Tallu

Infernais

Seja leve
Seja leve
Seja leve

Vão pro inferno!
Que se dane!

Joguem meu fardo
Sobre seus ombros
Caminhem meus passos
Com meus sapatos

Depois voltem
Com o lombo esfolado
E os pés estourando os calos

E sejam leves,
Ordinários!

Tallu

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A Estrada

Quando eu era menina
A vovó fazia carne de panela,
Feijão preto, couve, arroz de pilão
E a gente ia na lavoura levar as marmitas

Eu sabia o caminho de volta
E sabia que não voltaria sozinha
Mas cuidava de fazer a trilha
Riscando a terra com uma varinha

Os homens nos viam de longe
E já iam encostando as enxadas
E procurando alguma sombra
E uma moitinha macia

E quando eu os via enchendo os garfos
Meus olhos se espantavam
Porque tinham fome de comida
Mas de alma estavam fartos

Eu tinha pouquíssima idade
E sonhava em algum dia
Poder lutar pela vida
Como lutavam os camaradas

Eram homens de fibra
Tinham as camisas manchadas de suor
E cada coração ansiava
Pelo dia de colher o que plantou

Depois dessas coisas que se passavam
Talvez despercebidas por todos
A vovó juntava as vasilhas
E a gente refazia a trilha

Veio o tempo e os camaradas sumiram
Entre as sementes e os sonhos
Que não brotam na mesma terra
Onde se plantam o suor e o milho

Acabei não me tornando nada
Do que eram aqueles homens
E não posso comer de cabeça erguida
O que me servem na minha marmita

Tenho tudo o que não tinham
Mas sinto que isso que me falta
Era justamente aquilo
Com que eles se fartavam

Também vovó me deixou sozinha
Perdida nessa estranha trilha
Que por um negro descuido
Eu não marquei com a varinha

Andei, andei e não aprendi a estrada.

Tallu

A Desenhista

E então ela desenha uma princesa...    Os lápis coloridos e papéis sobre a mesa  E de vez em quando me pergunta          Se está ficando bonito                                 E respondo que está lindo 

E vai inventando linhas                            Faz, refaz, repensa, organiza                     A profusão de idéias súbitas                          Mas sem deixar nenhuma dúvida                    De que se vai desenhando a si mesma.

Tallu

sábado, 4 de outubro de 2014

Triângulo Chuvoso

Abraçado aos pingos D'água
Ele chorou
Implorando o seu amor

Mas a Chuva, amante infiel,
Entranhou-se na terra
E voltou para o Céu.

Tallu

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O Lamento das Almas


Foto: Eduardo Galeano


Que me perdoe o Galeano,
mas o corpo não tem janela.

Se tivesse, deste mundo louco,
a alma fugiria por ela.

E me dirão as almas apressadas-
"Ora, o corpo deve ter uma porta!"

Mas o corpo não tem porta,
nem janelas, nem nada.

O corpo é como um ovo-
não sabemos como viemos parar aqui,

E se quisermos sair,
toda a casa tem que ser derrubada.

(tallu)




sábado, 19 de julho de 2014

sábado, 12 de julho de 2014

A Vingança da Hanna

Se minha filha estivesse morta agora
Talvez eu não vibrasse com a Copa  

Se minha irmã estivesse morta agora
Talvez eu não vibrasse com a Copa  

Se eu não estivesse morta agora
Talvez eu não vibrasse com a Copa  

Mas meu coração parou sob o viaduto
E o país inteiro está de luto  

Não porque eu estou morta...
É  que Neymar está fora da Copa  

E como salvei minha filha e me irmã
Vibrarei com a Copa amanhã  

Não porque eu estou morta...
É  que Neymar está fora da Copa  

Estórias da Copa

Dizem que Neymar, vendo o absurdo,
Desligou a TV
E foi jogar pocker com seus amigos
Antes do fim da partida  

Enquanto isso,
Eu, que não jogo poker nem futebol,
Nem vou concorrer a nada em outubro,
Morria de chorar vendo o vexame  

E enquanto ele jogava
E eu chorava,
Maria Alice de Almeida faleceu.  

Dizem que o hospital não tinha televisão
E que Maria Alice morreu feliz da vida
Achando que o Brasil seria campeão!  

Ódio à Liberdade

Observando a Praça da Liberdade
Percebo que mesmo essas velhas palmeiras
Têm crescido mais do que eu
Nesses meus dias de funcionalismo público  

Vejo o verde da grama
E sinto repentina fome  

Quero descer e pastar a paisagem
Feito um boi gordo e preguiçoso 
 
Depois desabar na sombra
E ruminar meus sonhos 

E antes que se tornem realidade
Eu os engolirei de novo  

Depois viro carne moída,
Viro janta e finalmente lixo  

Mas enquanto ainda estou vivo
Desço no horário e bato meu ponto  

E caminho livre como os outros homens...
Até que passa um menino enxerido
Que me conta e sai correndo
Que eu tenho um cheiro esquisito de bife  

Paulo Menegale

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Com que roupa eu vou?


Saí trajando a verdade.
Esta roupa invisível
Porém, belíssima.

Ao passar entre os cínicos
Ouvi seus gritos –
Prendam essa vadia!

Obrigaram-me a usar a mentira.
Esta roupa visível
Porém, curtíssima.

Eis que, para manter a boa conduta,
Sempre que saio de casa,
Eu me visto como uma puta.




sexta-feira, 20 de junho de 2014

A Vaia e a Ola

Lá vai a vaia
Em uníssono rugido

A cara da vaia é branca
Como são brancos os seus santos

As veias da vaia são azuis
Suas bochechas, um par de maçãs

A casa da vaia é grande
E distante das senzalas

A vaia faz selfies vaidosos
E os publica no Instagran

E ainda que não viessem do alto
Os vaiantes não seriam tão baixos

A vaia é cheia de motivos
E vazia de sentido

E há quem diga que a vaia é boa
Quanto a mim,  prefiro ver a Ola

T.F

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Primeiro Poema de Aniversário

Eu, que lutei, esbravejei,
Que jurei até o último momento
Ser a vitória uma questão de tempo

Eu, que procurei por mim mesma
Entre os escombros de minha alma,
Acreditando quando ninguém mais acreditava

Aceito agora a minha derrota
E declaro, vencida e cansada,
Que dou as buscas por encerradas



quinta-feira, 5 de junho de 2014

Cuidado, caretas

Conheci uma velha árvore
Prestes a ser cortada.
Não era porque não dava flores
Nem folhas, nem frutos
Nem por nada...
Não era nem porque era velha...
O problema da árvore
É que ela tinha a raiz quadrada.


(Se essa ideia pega...)



domingo, 25 de maio de 2014

O grande mal

Milhões de soldados marcham, desorientados,
Seguindo as ordens de seu capitão, o capital,
Sem portar nem mesmo uma arma,  um centavo,
Capaz de o atingir quando o virem, o grande mal  

Do mal a ser vencido em cruéis batalhas, tão inúteis,
Sequer lhes mostraram do rosto, uma face,
E atravessam bravamente montanhas e túneis
Confiantes de o derrotarem, apesar do disfarce  

Mas ao arrancar - lhe a máscara na hora do embate
Não haverá entre esses homens nenhum soldado
Que não se faça de repente um infeliz covarde

E não haverá quem possa condenar sua conduta
Se o mal que combatiam era a própria luta
Entre morrer erguido ou viver ajoelhado.  

terça-feira, 20 de maio de 2014

No peito da pátria


Agora dormes, embora saibas que a manhã se refaz
Indiferente à sonolência de teus planos
E a de todos os guerrilheiros que ano após ano
Morrem, mas não se rendem aos apelos da paz

Perdes a fé, apesar dos homens e seus milagres
Ressuscitando a matéria morta das ambições diurnas
E apesar das mulheres replantando ilusões noturnas
Agora dormes,  alheio à esperança e seus entraves

No peito da pátria te entregas ao sono
Que antes adiavas para sempre mais tarde
Quando tinhas ainda a alma densa de uma criança

Mas agora um anjo negro entoa um acalanto
E teu espírito rarefeito finalmente descansa
Apesar dos gritos agonizantes da mocidade


quinta-feira, 1 de maio de 2014

Homilia Dominical



Tranquem as portas dos fundos
Antes que entrem os ladrões noturnos
Com suas caras encobertas
E suas armas em punho

Fechem todos os portões,
Acionem os sistemas de alarme
E, por via das dúvidas,
Deixem soltos os cachorros

É na hora mais alta que eles surgem
Com suas obscenas intenções,
Rezemos um terço antes de dormir
E cuidemos de dormir bem acordados

Homens de bons salários,
Senhoras bem casadas,
Meninas virgens e meninos suados,
Cuidado! Os ladrões serraram as grades.





domingo, 5 de janeiro de 2014

FELIZ ANO NOVO DE NOVO


Eu prometo-
desta vez serei 
como sempre
de outro jeito-
e dou minha palavra-
de tudo que prometo
não garanto nada.