Atiro contra Ti esta praga,
Oh, poderoso Senhor do Tempo,
Que passes para sempre acordado
Todas as infinitas madrugadas
Já que não tens nenhum respeito
Por este homem já idoso
Enquanto que aos mais moços permites
Horas e horas de repouso
Atiro contra Ti esta praga,
Oh, poderoso Senhor do Tempo,
Que passes para sempre acordado
Todas as infinitas madrugadas
Já que não tens nenhum respeito
Por este homem já idoso
Enquanto que aos mais moços permites
Horas e horas de repouso
Quando olho
No relógio
E vejo que já são
Três horas
Eu Vos pergunto
"Deus, já que eu Vos levo
A poesia,
Em troca,
Por que não me trazeis
A aurora?"
Ah, Chavito,
Nasceste já velho
Morreste tão menino
Mas eu prometo guardar segredo
E direi a todos da Vila
Que tu andaste morrendo
Mas foi sem querer querendo
E se por acaso houver outra vida
E tiveres que renascer tão bobo,
Prometes ser o Chaves de novo?
T.F
Convidei um velho conhecido
A beber uma taça comigo
E ele, ao dizer-me não,
Deixou-me a vaga impressão
De que temos escolhido
Muito bem os vinhos
E muito mal os amigos
Tallu
Eu não sei quem sou
E se soubesse
Não saberia ser este ser
Que me saberia
Tão eu
Antes seria estranhamente
Alguém que não sou
Que nem sei se seria já
Ou se ainda viria a ser
Este ser que seria
Tão eu
E de viver assim sem saber
Que ser é este que sou
Que era ou que fui
Eu sinto que não sou
Tão eu
E sinto que sou um não-ser
E que seguirei não sendo
Até que um ser que não sei
Surgirá para mim
Sem se saber para sempre nunca mais
Tão eu
Manda lá buscar no armazém
A saudade de alguém
De qualquer um
Um falso amigo
Um falso amor
Num papel de almaço
Manda lá comprar
Um quilo de saudade
Entre as moscas
E as mortadelas
E outras mazelas
Dependuradas
Manda lá buscar, minha mãe,
Um maço de cigarros
E um isqueiro novo
E manda que se deixe o troco
Ao balconista
Manda, manda, mãezinha,
Tanto faz um menino uma menina,
Um amigo, um amor, uma saudade qualquer
de qualquer um que se venda
Num armazém de esquina
Moro num país
Contraditório
Onde o povo vai às urnas
Livremente
Exercer um voto obrigatório
Moro num país
Contraditório
Onde o povo vai às ruas
Livremente
Pedir a volta da Ditadura
Moro num país
Contraditório
Onde o povo unido
Livremente
Ordena que seus irmãos sejam banidos
Moro num país
Contraditório
Onde o povo exige
Livremente
Que os homens deixem de ser livres
Moro num país
Contraditório
De onde a Sanidade
Insanamente
Pouco a pouco vai-se embora.
T.F
Dormirei agora
Contra a minha vontade
Passaria feliz a madrugada
Escrevendo cartas ao povo
Escreveria até ao carteiro
Que distribuía os panfletos
"Olá, meu caro Senhor,
Já pensaste em ser ator?"
Tallu
O avião maluco
Despencou de Pernambuco
Coxinha
Ptralha
Ptralha
Coxinha
Coxinha
Ptralha
Ptralha
Coxinha
E o rapaz (Deus que me livre!)
Escapou do chic chic
Desintegrou-se no Infinito
Como um trem sem trilhos
Na última estação
E sumiu sem adjetivos
Nem predicativos
Ou substantivos
Pejorativos!
Deus que o proteja
Das póstumas pelejas
Da nação...
Ele bate
Ela rebate
Ele bate
Ela rebate
Os dois disputam
A carne
E os cães arregalam os olhos
Esperando a hora de roer os ossos
Tallu
Seja leve
Seja leve
Seja leve
Vão pro inferno!
Que se dane!
Joguem meu fardo
Sobre seus ombros
Caminhem meus passos
Com meus sapatos
Depois voltem
Com o lombo esfolado
E os pés estourando os calos
E sejam leves,
Ordinários!
Tallu
Quando eu era menina
A vovó fazia carne de panela,
Feijão preto, couve, arroz de pilão
E a gente ia na lavoura levar as marmitas
Eu sabia o caminho de volta
E sabia que não voltaria sozinha
Mas cuidava de fazer a trilha
Riscando a terra com uma varinha
Os homens nos viam de longe
E já iam encostando as enxadas
E procurando alguma sombra
E uma moitinha macia
E quando eu os via enchendo os garfos
Meus olhos se espantavam
Porque tinham fome de comida
Mas de alma estavam fartos
Eu tinha pouquíssima idade
E sonhava em algum dia
Poder lutar pela vida
Como lutavam os camaradas
Eram homens de fibra
Tinham as camisas manchadas de suor
E cada coração ansiava
Pelo dia de colher o que plantou
Depois dessas coisas que se passavam
Talvez despercebidas por todos
A vovó juntava as vasilhas
E a gente refazia a trilha
Veio o tempo e os camaradas sumiram
Entre as sementes e os sonhos
Que não brotam na mesma terra
Onde se plantam o suor e o milho
Acabei não me tornando nada
Do que eram aqueles homens
E não posso comer de cabeça erguida
O que me servem na minha marmita
Tenho tudo o que não tinham
Mas sinto que isso que me falta
Era justamente aquilo
Com que eles se fartavam
Também vovó me deixou sozinha
Perdida nessa estranha trilha
Que por um negro descuido
Eu não marquei com a varinha
Andei, andei e não aprendi a estrada.
Tallu
E então ela desenha uma princesa... Os lápis coloridos e papéis sobre a mesa E de vez em quando me pergunta Se está ficando bonito E respondo que está lindo
E vai inventando linhas Faz, refaz, repensa, organiza A profusão de idéias súbitas Mas sem deixar nenhuma dúvida De que se vai desenhando a si mesma.
Tallu
Abraçado aos pingos D'água
Ele chorou
Implorando o seu amor
Mas a Chuva, amante infiel,
Entranhou-se na terra
E voltou para o Céu.
Tallu
Se minha filha estivesse morta agora
Talvez eu não vibrasse com a Copa
Se minha irmã estivesse morta agora
Talvez eu não vibrasse com a Copa
Se eu não estivesse morta agora
Talvez eu não vibrasse com a Copa
Mas meu coração parou sob o viaduto
E o país inteiro está de luto
Não porque eu estou morta...
É que Neymar está fora da Copa
E como salvei minha filha e me irmã
Vibrarei com a Copa amanhã
Não porque eu estou morta...
É que Neymar está fora da Copa
Dizem que Neymar, vendo o absurdo,
Desligou a TV
E foi jogar pocker com seus amigos
Antes do fim da partida
Enquanto isso,
Eu, que não jogo poker nem futebol,
Nem vou concorrer a nada em outubro,
Morria de chorar vendo o vexame
E enquanto ele jogava
E eu chorava,
Maria Alice de Almeida faleceu.
Dizem que o hospital não tinha televisão
E que Maria Alice morreu feliz da vida
Achando que o Brasil seria campeão!
Lá vai a vaia
Em uníssono rugido
A cara da vaia é branca
Como são brancos os seus santos
As veias da vaia são azuis
Suas bochechas, um par de maçãs
A casa da vaia é grande
E distante das senzalas
A vaia faz selfies vaidosos
E os publica no Instagran
E ainda que não viessem do alto
Os vaiantes não seriam tão baixos
A vaia é cheia de motivos
E vazia de sentido
E há quem diga que a vaia é boa
Quanto a mim, prefiro ver a Ola
T.F
Milhões de soldados marcham, desorientados,
Seguindo as ordens de seu capitão, o capital,
Sem portar nem mesmo uma arma, um centavo,
Capaz de o atingir quando o virem, o grande mal
Do mal a ser vencido em cruéis batalhas, tão inúteis,
Sequer lhes mostraram do rosto, uma face,
E atravessam bravamente montanhas e túneis
Confiantes de o derrotarem, apesar do disfarce
Mas ao arrancar - lhe a máscara na hora do embate
Não haverá entre esses homens nenhum soldado
Que não se faça de repente um infeliz covarde
E não haverá quem possa condenar sua conduta
Se o mal que combatiam era a própria luta
Entre morrer erguido ou viver ajoelhado.