Páginas

sábado, 29 de junho de 2013

Nos confins do inferno




         Era o começo do mundo e formava o Diabo a sua persona. Naquele tempo só havia um ídolo, que lhe era hediondo. Por isso, agarrou-se o Diabo à lembrança lúdica dos heróis de sua infância.
              Entrou entusiasmado na “Casa Naja” e pediu coisas de bruxa: uma capa, um caldeirão, uma colher, um nariz bem feio e para se diferenciar, um rabo de seta e um par de chifres. Dispensou a vassoura, porque lhe arranhava o rabo. E já estava de saída, quando viu pregado na porta o último decreto de Deus:
“Em briga de marido e mulher      ninguém mete a colher”.
            Voltou imediatamente o Diabo e disse à atendente:
            _ Troque esta colher por um garfo, por gentileza!



Pecados imortais



Por que Deus faria a mulher de uma costela de Adão? 
Quem acredita nessa história de costela? 
É claro que ela foi feita da goela. 
A árvore proibida dar maçãs? 
Depois dizem que dinheiro nunca deu em árvore.
Expulsar os dois do paraíso?
No máximo, uma mudança de pasta.
A serpente? Não era serpente. Era laranja! 
Maldito seja Adão com seu caixa dois!
E Eva? Não fez nada.
Só deu com a língua nos dentes.


A visão do poeta -
Quanto perigo!
Depois de mirar a Terra
Só enxerga o próprio umbigo.

Sendo que há dois tipos
Apenas em geral -
O tipo que se acha genial
E o tipo não existo.


Falando sério


Eu quero ser rico.
Muito rico. 
Eu não finjo o contrário.
Estou quebrado.
Preciso de dinheiro. 
Saúde tenho de sobra.
Paz eu venderia, se valesse um dólar.
Amor se arranja com grana.
Felicidade foi-se embora?
Que se dane. Ser feliz é foda.
Eu não quero alegria. 
Preciso de dinheiro. 
Bilhetes sorteados na loteria. 
Ações milionárias. 
Cargos de deputado, ministro, jogador de futebol.
Eu quero o sol. A Sapucaí.
Mas tem de ser agora, pra hoje, pra já. 
Vida de marajá em Maragogi, Maracangalha, Maraocarálio! 
Que se dane o mar. 
Eu quero petróleo.



Mesquinho


Uma andorinha
Só não faz verão
Quando todas as outras
Torcendo o biquinho
Vão fazer inferninho
Nos ouvidos da estação

Lua Cheia

Eu sou cheia de mims
de sins e de nãos
de rimas fáceis
esquinas frágeis
que se dobram em vão

sou cheia de almas perdidas
de noites mal dormidas
de calor e calafrios
cheia de quem nunca
se enche de ilusão

cheia de nervos
de aço e de elástico
e de imensas crateras
abertas à mão

eu sou cheia de amplidão

Poema para Lorena


  
Deus quis fazer-me no fim do mundo,
Sabe-se lá com que intenção.
Mas de tão longe, de tão pequenina,
Imagino que a vontade divina era livrar-me da solidão

E lá nos confins da silenciosa Lorena,
Eu abandonava todas as noites a existência,
Ouvindo apenas os chicotes com que o vento
Açoitava as costas de um velho portão

E toda a cidadezinha, sempre muito calma,
Parecia dormir ao meu lado como as boas almas
Adormeciam conosco no alto do cemitério

Mas quis o mesmo Deus, por um novo mistério,
Que um dia eu partisse, sozinho, como uma alma perdida,
E nunca mais eu dormi tranquilo na minha vida.




Ao convidado ausente

Tu não pudeste ir, mas se tivesses ido,
E dividido comigo algumas horas poucas,
Terias ouvido, aos gritos de outras bocas,
As minhas mais silenciosas palavras

Porque lá gritaram os meus versos
Aos quatro cantos do quintal.
E todos no sarau souberam por que ando pelo mundo
Esgueirando-me nas sombras, segurando-me nos muros.

É que o amor que trago,
Nas poesias que faço,
Nem sempre suporta o meu peso
E desaba em cada palavra que escrevo

E ando, então, pelas entrelinhas,
Entoando hinos de bravura,
Quando na verdade o meu desejo
Era falar só de ternura

Porque amar, morrendo de medo,
É a mais corajosa das aventuras.



quinta-feira, 27 de junho de 2013

Versículos Bíblicos

A poesia se veste de saia
Não porque isso lhe caia
Melhor que um terno preto

O dilema da poesia
É esse seu defeito
De querer insinuar certas coisas

Não que um homem de terno,
Sem nenhuma costura torta,
Não tenha lá os seus mistérios

Mas as coxas, sobrepostas,
São as próprias dunas do deserto
Onde o Diabo atentou Nosso Senhor.


Recomeçar

Agora, minha gente,
Somos eu e meu sonho.
Aos outros
Eu proponho
Que saiam da frente


Vazio

Se eu me cortasse
Por dentro
O que não saísse
Folha
Sairia vento

O durão

Porque o amor
Foi solto
Posso ir para a prisão.

Se topar comigo
Rolamos no chão.

Passarinho Preso

Não importa
Por quanto
Sua alma
Foi vendida:
Eu vou comprar
Essa briga.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Comentário


Tenho 2.302 e-mails não lidos
Na minha caixa postal.
E reviro meu peito,
Sacudo a alma, investigo,
De onde vêm tantas mensagens
Se não tenho tantos amigos?
E descubro, para meu desespero,
A cada e-mail que leio,
Que os amigos não se correspondem mais.
Nem por e-mail, nem por carteiros,
Nem por postais, nem por SMS.
E mesmo que façam uma postagem
É sempre um orgulho, uma crítica ou humor.
Agora os amigos só se falam
Quando algo muito ruim acontece:
Por exemplo, se precisam de um fiador,
Ou se o amanhã, de repente,

Não amanhece.








T.F

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Enredo clichê para um samba qualquer

Tem gente que é feliz
Sim, eu sei
Mas passar o que passei
E não deixar de sorrir...
Ai, eu não consigo acreditar
Que alguém no meu lugar
Não vá chorar o que chorei

Quando minha mãe se foi embora
O meu pai, pela janela,
Acenou eternamente
Mas eu era tão pequeno
Não podia compreender
O porquê do seu aceno

Só depois que eu cresci
E você me apareceu
É que tudo fez sentido....
Descobri que o amor
O que fez com o meu pai
Também aprontou...comigo

Hoje eu sei que a tristeza
Assim como a riqueza
Também vai...
De pai pra filho
Eu sou herdeiro da dor
Sou aquele que o amor
Escolheu pro sacrifício

Eu sou herdeiro da dor
Sou aquele que o amor
Escolheu pro sacrifício