Páginas

sábado, 31 de março de 2012

NADA NUNCA MAIS


A lua que vejo, antes não vi,
e vista nunca mais será,
embora
mil vezes a vira Hiparco.
O agora agoniza no mar do passado,
o alvor da aurora já é rubro no ocaso.
Este verão, espremido
pela ardente primavera
e o cansado e velho outono,
espreita o próximo mas já é saudade.
Embora
a infindável repetição ilusória,
na clepsidra, a água dissolve o Egito
em cada gota.
No delicado vento, lá se vai em pó
a orgulhosa pirâmide.

Alaor Chaves

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ato-fato


Da primeira vez que me vi,
De tão impressionado,
É claro, não me lembro disso,
Mas o fato me deixou
Com tamanho medo
Que assim que me mudei
De mim
Mandei tirar todos
Os espelhos

Tallu Fernandes

domingo, 25 de março de 2012

PERPLEXIDADE



Em que mundo vasto me puseram?
De que fundas sombras ergueu-se o aparato
de que sou parte e consciência perplexa?
Que sorte de equívoco é esse impossível universo
que sonho – ou no qual sou sonhado?
Acorde eu ou quem me sonha!
Venha urgente, oh morte!

Alaor Chaves 

Campanha


Climas inconstantes
Fazem surgir crises
Alérgicas
E de outras origens
Crises
Histéricas
A todo instante
Acometem os corações
Amiúde
A sociedade médica
Alerta
Respirar e
Amar
Pode ser prejudicial
À saúde


Tallu Fernandes







Impermanências


Sobre todas as coisas
Construí minha casa
Os tijolos, o cimento, a areia
E toda aquela massa
Densa nas mãos dos pedreiros
Ergueram um sonho
De blocos e telhas

A casa é sólida
E impermanente
A casa é do lado de dentro
De quem mora

Sobre todas as coisas
Imagino a casa
E os meus rebentos
Fogo e brasa
E passado o tempo
Cinza e nada
E uma pequena placa:
Vende-se esta casa!

Tallu Fernandes




Morte


Olhando a vida
Contemplo a morte
Sorte
De todos os que vivem
Sorte
De todos os que morrem
De repente
A festa dos corvos
Vingança dos mortos
Morte
Oportunismo do céu
Morte
A figa do inferno
Medo e desejo
Dos fracos
A última vitória
Dos fortes
Sorte
De Deus
Que não conheceu
A morte.

Tallu Fernandes