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domingo, 23 de outubro de 2011

Poesia sem palavras

                               Para Maria Helena

       

Não busco poesia no verso ritmado;
não sou cantor, tento apenas ser poeta.
Tampouco busco o poético em palavras rimadas:
consonâncias, na substância mal ligadas,
pouco me tocam, são pouco mais que um eco.
Nem vejo graça em falar desventuras,
mais afins ao tango, ao bolero, ao samba-canção.
A saudade é indizível, elide-se da palavra,
deixo em paz minhas saudades, caras saudades;
não tenho signos que as levem até você.
O heroico, a Homero coube inventá-lo,
e tão bem o fez que exauriu essa lavra;
o restolho,
deixemo-lo aos guerreiros e seus hinos.

Já a lírica, sempre me pede extroversos,
alheios
a esta índole encerrada em si e montanhas,
e se aventuro nalgum verso enternecido,
de algum lamentado amor perdido,
ele tanto enrubesce, no papel perplexo,
que de pronto o recolho e resguardo.
E assim, despojado dos lícitos recursos,
viro poeta sem verso, orador mudo, reverso,
adverso.

Mas quando é setembro, o ipê luminoso,
o canto derramado do sabiá, sem palavras,
o pio indecifrável do curiango – o dos olhos de brasa –
que preenche a sombra da noite muda,
o cheiro do capim queimado, a espera da chuva,
o vento quente tisnado de bruma escura,
o corpo indolente na sombra do pau d´óleo,
trazem uma inquietação vaga, teimosa,
imagens errantes borboleteando na mente,
recordações precisas de passados incertos,
saudades de venturas vagas, quase inventadas,
um misterioso gozo em lembrar infortúnios...
Isso é poesia, minha amiga.
Poesia sentida que nunca digo,
pois a palavra está sendo inventada,
e o que ora temos são elementos toscos,
capazes de pedir água, um beijo, socorro,
mas impotentes para a poesia que trago.

Minha amiga, bem mais que amiga,
já que não sei como dizer,
vamos tomar um trago;
o vinho é como setembro,
vai nos encher de muita poesia,
que irá revelar-se nos olhos, no riso, no silêncio...




                    Alaor Chaves