Para Maria Helena
Não busco poesia no verso ritmado;
não sou cantor, tento apenas ser
poeta.
Tampouco busco o poético em palavras
rimadas:
consonâncias, na substância mal
ligadas,
pouco me tocam, são pouco mais que um
eco.
Nem vejo graça em falar desventuras,
mais afins ao tango, ao bolero, ao
samba-canção.
A saudade é indizível, elide-se da
palavra,
deixo em paz minhas saudades, caras
saudades;
não tenho signos que as levem até
você.
O heroico, a Homero coube inventá-lo,
e tão bem o fez que exauriu essa
lavra;
o restolho,
deixemo-lo aos guerreiros e seus
hinos.
Já a lírica, sempre me pede
extroversos,
alheios
a esta índole encerrada em si e
montanhas,
e se aventuro nalgum verso
enternecido,
de algum lamentado amor perdido,
ele tanto enrubesce, no papel
perplexo,
que de pronto o recolho e resguardo.
E assim, despojado dos lícitos
recursos,
viro poeta sem verso, orador mudo,
reverso,
adverso.
Mas quando é setembro, o ipê
luminoso,
o canto derramado do sabiá, sem
palavras,
o pio indecifrável do curiango – o
dos olhos de brasa –
que preenche a sombra da noite muda,
o cheiro do capim queimado, a espera
da chuva,
o vento quente tisnado de bruma
escura,
o corpo indolente na sombra do pau
d´óleo,
trazem uma inquietação vaga, teimosa,
imagens errantes borboleteando na
mente,
recordações precisas de passados
incertos,
saudades de venturas vagas, quase
inventadas,
um misterioso gozo em lembrar
infortúnios...
Isso é poesia, minha amiga.
Poesia sentida que nunca digo,
pois a palavra está sendo inventada,
e o que ora temos são elementos
toscos,
capazes de pedir água, um beijo,
socorro,
mas impotentes para a poesia que
trago.
Minha amiga, bem mais que amiga,
já que não sei como dizer,
vamos tomar um trago;
o vinho é como setembro,
vai nos encher de muita poesia,
que irá revelar-se nos olhos, no
riso, no silêncio...
Alaor Chaves