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sábado, 22 de outubro de 2011

A dissolução do mundo



Nada tem ocorrido
como foi prometido
e nenhum anjo me consola.

Quando menino, disseram
que eu tinha um anjo só pra mim;
mas não foi bem assim.
A cópula não para de multiplicar os homens,
mas os anjos, sem sexo,
ficaram estagnados.
O censo revelou que há cidades inteiras
sem sequer um anjo, e assim
sujeitas a terremotos e às mais torpes iniquidades;
e os espelhos duplicam os homens
mas não sabem refletir anjo,
o que mais agrava o desarranjo.

Quando nasci
não contaram que o mundo está em dissolução,
que o amor já foi abolido
e a compaixão é apenas um signo arcano no dicionário.
A guerra mata o corpo dos vencidos;
aos vencedores, mata-lhes a alma;
nas cidades invadidas,
mulheres entregam os maridos vencidos
e depois se entregam aos carrascos sem alma
para gerar mais desalmadas criancinhas.

Quanto a mim, não sei se tenho alma,
mas trago um coração que sofre.
E ninguém o consola.

Deus modernizou o mundo
que agora navega no piloto automático:
maravilha técnica que redundou no caos.
Neste mundo mecânico e temerário,
ao próprio destino abandonado,
dilúvios não mais dizimam os ímpios,
e já não vejo consolo para tanto
calamitoso desatino.

Eu queria mil anjos e não tenho anjo algum,
e na rua circulam mulheres sem coração.
Lindas mulheres sem alma nem coração,
insinuantes, caminham sob roupas transparentes,
                     convidando-me a segui-las até o abismo.

Alaor Chaves