Nada tem ocorrido
como foi prometido
e nenhum anjo me consola.
Quando menino, disseram
que eu tinha um anjo só pra mim;
mas não foi bem assim.
A cópula não para de multiplicar os
homens,
mas os anjos, sem sexo,
ficaram estagnados.
O censo revelou que há cidades
inteiras
sem sequer um anjo, e assim
sujeitas a terremotos e às mais
torpes iniquidades;
e os espelhos duplicam os homens
mas não sabem refletir anjo,
o que mais agrava o desarranjo.
Quando nasci
não contaram que o mundo está em
dissolução,
que o amor já foi abolido
e a compaixão é apenas um signo
arcano no dicionário.
A guerra mata o corpo dos vencidos;
aos vencedores, mata-lhes a alma;
nas cidades invadidas,
mulheres entregam os maridos vencidos
e depois se entregam aos carrascos
sem alma
para gerar mais desalmadas
criancinhas.
Quanto a mim, não sei se tenho alma,
mas trago um coração que sofre.
E ninguém o consola.
Deus modernizou o mundo
que agora navega no piloto
automático:
maravilha técnica que redundou no
caos.
Neste mundo mecânico e temerário,
ao próprio destino abandonado,
dilúvios não mais dizimam os ímpios,
e já não vejo consolo para tanto
calamitoso desatino.
Eu queria mil anjos e não tenho anjo
algum,
e na rua circulam mulheres sem
coração.
Lindas mulheres sem alma nem coração,
insinuantes, caminham sob roupas
transparentes,
convidando-me a segui-las
até o abismo.
Alaor Chaves