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terça-feira, 25 de outubro de 2011

JORGE LUIS BORGES



Sem ti, o gaúcho se acovardou,
o punhal cravou no próprio peito,
e o sangue jorrado não foi rubro.
O vento dos pampas não sopra mais assombros
nem fala de madressilvas,
a milonga e o tango só dizem o que cantam
e as eras dos pátios
(cujas cisternas já não invertem o céu)
não mais consagram o crepúsculo.
Nenhum côncavo acolhe a fantasia
e o real se escorrega no abismo convexo,
e o abismo não é mais espanto.
O infinito se amiudou e o eterno já é morte,
as mentes não mais se perdem em labirintos
de aparatoso e inútil tédio. O cotidiano ficou quase banal
(em outros termos, mais dolorosamente absurdo).
O rio de Heráclito parou seu Tempo,
a flecha de Zenon congelou-se pra sempre
no mármore do espaço, como
uma impossível escultura do paradoxo.
Walt Whitman abaixou a voz, desistiu
de ser infinito e ficou apenas eterno,
como os deuses.
A Argentina tornou-se argentina,
um adjetivo sem objeto, e as ruas de Buenos Aires
hoje só semeiam distâncias
impiedosas na planura infindável.
Sem ti, cada homem é de novo
uma encenação que percorre
um caminho improvável e solitário,
e, talvez, nem descubra que
seus passos são uma alucinação da alma.
A insônia já não é lúcida, é apenas atroz.
A noite fechou os olhos dos espelhos.

Alaor Chaves

Ficheiro:Jorge Luis Borges - Cimetière de Plainpalais.jpg