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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A Estrada

Quando eu era menina
A vovó fazia carne de panela,
Feijão preto, couve, arroz de pilão
E a gente ia na lavoura levar as marmitas

Eu sabia o caminho de volta
E sabia que não voltaria sozinha
Mas cuidava de fazer a trilha
Riscando a terra com uma varinha

Os homens nos viam de longe
E já iam encostando as enxadas
E procurando alguma sombra
E uma moitinha macia

E quando eu os via enchendo os garfos
Meus olhos se espantavam
Porque tinham fome de comida
Mas de alma estavam fartos

Eu tinha pouquíssima idade
E sonhava em algum dia
Poder lutar pela vida
Como lutavam os camaradas

Eram homens de fibra
Tinham as camisas manchadas de suor
E cada coração ansiava
Pelo dia de colher o que plantou

Depois dessas coisas que se passavam
Talvez despercebidas por todos
A vovó juntava as vasilhas
E a gente refazia a trilha

Veio o tempo e os camaradas sumiram
Entre as sementes e os sonhos
Que não brotam na mesma terra
Onde se plantam o suor e o milho

Acabei não me tornando nada
Do que eram aqueles homens
E não posso comer de cabeça erguida
O que me servem na minha marmita

Tenho tudo o que não tinham
Mas sinto que isso que me falta
Era justamente aquilo
Com que eles se fartavam

Também vovó me deixou sozinha
Perdida nessa estranha trilha
Que por um negro descuido
Eu não marquei com a varinha

Andei, andei e não aprendi a estrada.

Tallu