Páginas

terça-feira, 10 de maio de 2011

O alívio

Se esse único movimento irá me afetar de tal maneira
que eu me perca por inteiro
e nunca mais retorne a mim mesmo
e nem sequer me lembre de quem eu sou
ou leve no peito um vestígio qualquer
dessas coisas a que agora dou valor


se agora essa corrente irá me arrastar mar adentro
e nem um pensamento irá restar que me obrigue
a, pelo menos de vez em quando, sentir vontade
de morrer de medo outra vez como faço sempre


então eu quero que isso me acerte no peito
e que faça tal estrago que para retornar à vida
seja necessário outro coração
que por desventura de um destino desconhecido
venha por coincidência insistir dentro de mim


que deste que trago já estou farto
e estou muito mais gravemente cansado
do que se estivesse apenas adoecido
eu estou louco, estou morto, um morto vivo
e ando desconfiado que neste quarto escuro
trago nas mãos não a morte, mas o alívio.

Tallu Fernandes

foto: Miguel Claro