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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Supernova




Enquanto eu estivera absorto
em calma contemplação do mundo,
não mirando algo, alguma estrela,
tampouco o perfil de qualquer árvore
projetado naquele céu dormente,
apenas ouvindo o quase silêncio
das ramas balouçando à leve brisa,
o pio de uma ou outra coruja,
o grito lúgubre do urutau naquela mata,
o canto viril de um galo distante;
embora a noite fosse rotina,
uniforme, plana, lisa e tão amena,
que apenas levasse ao devaneio
e abrandasse a lucidez da insônia,
algo alucinante se aproximava.
Não algo definido num repente,
tampouco planejado e previsível,
mas o ecoar de algo tenebroso,
há muito ocorrido e não sabido.
Embora eu estivesse desatento,
uma luz içou meus olhos e vi
quase no coração da Via-Láctea
uma estrela que antes não havia
ou se houvera jamais se destacara.
A luz quase azul da nova estrela
ofuscava scorpius, o céu e tudo,
como se fora cem estrelas, ou mil,
em um só ponto amontoadas.
Olhei atento: a luz não se movia,
nem piscava, tão somente mantinha
seu desatinado fulgor e terror.
Lembrei as escrituras, o Apocalipse,
vasculhei a velha arca de crendices
sobre os signos das calamidades.
Só depois de esquecer as pragas
ou ainda mais aterradores sinistros
tudo entendi ou quase tudo.
Ali naquele ponto esconso,
vagando na madrugada solitário,
sem companhia que soubesse da morte,
pois até o urutau do canto fúnebre,
que segundo alguns anuncia a morte,
é imortal, posto não saber que morre,eu contemplava a morte de uma estrela.
Era a morte de estrela gigante,
dez, talvez cem vezes o nosso Sol;
mas, pros vastos tempos dos astros,
era menina de poucos milhões de anos.
Consumira-se em total desvario,
e sua luz de um fulgor furioso,
mas que por distante não se percebia,
exauriu-lhe as forças e lhe trouxe a morte.
Estrelas gigantes de luz desvairada
não morrem como um gato, um pássaro,
ou um homem que se deita e adormece,
mas sim num cataclismo descomunal.
Ao perder as forças seu núcleo encolhe;
enfim explode, a estrela inconformada
como se quisera detonar o mundo.
Massas gigantes se jogam no abismo
com fulgor que por semanas se amplia,
até brilharem uns cem bilhões de sóis.
Isso não se deu nesta noite pacata,
mas já tão surpresa e estarrecida.
Foi há mais de mil anos, talvez dez mil,
tempo da luz na calada travessia
do sinistro até meus olhos assustados.
Tudo se exibirá como um filme lento.
Essa estrela cujo fulgor já me estremece,
crescerá e ganhará a luz da Lua;
por um mês, dois meses, teremos duas luas,
uma de prata, outra azul, Supernova,
mas esta, pontual como um vaga-lume.
A Supernova abismará as mentes,
e os profetas, antes tão divergentes,
vindicarão a mesma antevisão precisa.
Todos os ungüentos curarão a morte
e os lobos alarmados uivarão em dobro.
Após seu estertor de trágica glória,
em que a Supernova abisma a Galáxia,
sua luz decairá até o irrisório
e após alguns séculos será Nebulosa:
pálida cicatriz no céu profundo.