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domingo, 25 de agosto de 2013

Cartas

O problema das cartas atuais é a ausência do carteiro. Sem ele, as linhas não descansam o tempo suficiente para amadurecer as ideias. As palavras ficam frias, porque não podem experimentar o calorzinho do envelope, de mão em mão, aquecendo os sentimentos que iam lá dentro. Sei lá... Mas deve ser por isso que as cartas enviadas pelo correio certamente eram mais calorosas. 
Agora essas, on line, vão rápido demais, voltam rápido demais. O coração mal tem nem tempo de pensar na primeira e já é hora de responder à segunda. Se demora um ou dois dias, sabe que do lado de lá existe um ser morrendo de angústia.  Mas antigamente, se a resposta demorasse a chegar, isso era muito comum, e as almas podiam dormir tranquilas, os dias podiam passar sem traumas, porque a resposta devia estar em algum lugar, viajando uma viagem longa e preguiçosa. E só era preciso esperar, esperar, esperar... E se a resposta não chegasse nunca, provavelmente houve alguma falha dos correios e a carta foi extraviada. E com este argumento do extravio os correspondentes reconfortavam-se. Porque a dúvida era um ânimo para quem aguardava a resposta, e o pretexto, eternamente disponível, para quem se recusasse a responder... E assim os corações podiam sofrer um pouco mais consolados porque, na ausência de certezas, a dúvida resolvia tudo. E até podia acontecer de, passados alguns dias, as ideias se modificarem, e a resposta, tão aguardada, seria melhor mesmo se já não viesse... E a resposta não enviada, seria bastante urgente que se a enviasse imediatamente. Mas agora o que resta é justamente a mais completa ausência de dúvidas.  Se não respondeu foi porque não quis ou porque não se importa, não existe desculpa. A grande tragédia é que não existe nada mais indispensável na escrita das grandes paixões do que alguns pontinhos de interrogação.

Tallu Fernandes